Depois de dois anos eu estava de volta. Lembro de tudo como se estivesse acontecendo agora. Apesar de nascer num lar de origem cristã, minha relação com Deus não se deu tanto pela influência de meus pais. Minha infância foi indo e saindo da igreja, mas desde cedo entendi que Jesus é o único caminho. O ingresso nesta academia foi decisivo para que eu intensificasse minha relação com Deus. Houve a etapa classificatória e eu e meu irmão mais velho, Jonas, nos inscrevemos. Meu irmão caçula, Lucas, veio torcer e meus pais também. Minha mãe estava o tempo todo com um ar de crítica, pois sabia que os princípios cristãos eram a base daqui. Depois de separada do meu pai, ela seguiu a carreira de psicóloga e pra ela as leis da psicologia eram superiores às leis de Deus. Allan reuniu o pessoal, apresentou-se rapidamente e antes dos candidatos se apresentarem, convidou:
- Vamos fazer a oração que O Pai ensinou: Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome;
Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu;
O pão nosso de cada dia nos dá hoje; E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores; E não nos induzas à tentação; mas livra-nos do mal; porque teu é o reino, e o poder, e a glória, para sempre. Amém. (Mateus 6: 9 - 13)
Depois de uma explanação sobre toda a rotina, Allan frisou bem:
- Aqui não será tolerada mentira e ninguém pense que possa nos enrolar. Temos meios de descobrir as irregularidades e simplesmente aquele que não for leal não ficará. Trapaças durante as competições e falta de respeito aos colegas implicam em desconto de pontos e até desclassificação dependendo da gravidade do ato.
Quando acabaram as apresentações, minha mãe comentou:
- Até parece que todos vão ter um comportamento exemplar. Todo o ser humano mente, nem que seja uma mentirinha.
- Mãe, pra Deus não tem mentirinha, nem mentirão, é tudo mentira.
- Lá vem você com suas pregações.
- E você com suas polêmicas.
- Mas eu acho que todas as pessoas mentem.
- Por que pra você sua psicologia é superior à palavra de Deus.
- Beth, não vou discutir com você.
- Nem tão pouco eu com você.
- Tá, então dá licença, antes que eu fique mais saturada do que já tô.
Ela saiu de perto e Alessandra que assistia nossa discussão olhando um pouco de longe, se aproximou.
- Que foi lindinha?
- Deixa pra lá... – eu respondi de cabeça baixa e não consegui conter as lágrimas que começaram a rolar.
- Daqui a uma hora é a competição pra classificação. Fala, por favor, você precisa desabafar, isso vai influir no seu rendimento.
Eu resumi o ocorrido e ela disse:
- Lembra o que a palavra diz? “Irai-vos, e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira.” (Efésios 4: 26). Não que você tenha dito nada de errado, mas deixa O Espírito de Deus trabalhar. Se reconcilie com sua mãe, vai fazer muito mais mal a você do que à ela a discussão.
Logo depois procurei minha mãe que antes que eu falasse, disse:
- Eu não quero aumentar sua tensão pra hora de competir, me desculpe.
- Eu que peço perdão mãe. Não devia discutir. Tudo tá nas mãos de Deus, inclusive minha vitória e se eu não ganhar, não vou me sentir perdedora, tudo é experiência.
Falei com Alessandra que observou:
- Dá pra ver no seu rosto estampada a expressão de alívio.
- É muito ruim a gente não se entender em família.
- Mas vai ser bom pra você o tempo que vai ficar aqui. Vai ficar mais independente, se disciplinar mais. Vai ser como um retiro espiritual prolongado.
- É mesmo.
- Ainda tem mais de meia hora. Põe em prática esta passagem: “Mas tu, quando orares, entra no teu aposento e, fechando a tua porta, ora a teu Pai que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará publicamente.” (Mateus 6: 6) vai lá ao alojamento aqui à direita e faz isso.
Orei rapidamente, coloquei toda a minha ansiedade nas mãos do SENHOR. Sei que ele deu todo o alívio necessário. Voltei e vi meu irmão Jonas tenso, sinalizando pelo olhar fixo no mar que não queria conversa.
Iniciou a competição. As meninas foram primeiro. Eu dei tudo de mim.
- Vai comigo acampando seus anjos ao meu redor, Senhor. – eu disse enquanto deslizava no mar com a prancha, aguardando o momento de pegar uma boa onda.
Vi a onda ideal que parecia um presente direto de Deus, me coloquei na posição e senti meu corpo tão leve sobre a prancha como se os anjos do Senhor me segurassem. Foi tudo tão rápido, a primeira e a segunda bateria, contrastando com os momentos anteriores da espera que pareciam uma eternidade.
- Você foi muito bem, filha. Tem grandes possibilidades de vencer. – minha mãe elogiou
- Acho que sim. – eu reconheci meu empenho, mas no íntimo ainda tava um pouco apreensiva.
Meu irmão Jonas estava confiante e eu o admirava muito. Sempre fomos unidos e surfávamos juntos desde muito pequenos. O mar sempre foi meu ambiente natural. Jonas tinha 10 anos e eu 9 quando participamos pela primeira vez de um torneio estadual mirim. Ele tirou o 1º lugar entre os meninos e eu também entre as meninas. Éramos uma dupla dinâmica e tudo indicava que assim continuaríamos. Mas as coisas mudam. Assim como as ondas passam, águas diferentes rolariam na nossa boa relação de irmãos. Na hora de competir, Jonas deu tudo. Na contagem de pontos ele estava em primeiro, empatando com outro garoto, Ricardo.
- Vamos ter que fazer uma prorrogação pra desempatar. - Allan anunciou
- Não é preciso nenhuma prorrogação. – Ricardo interveio.
- Como assim? – Allan estranhou
- Eu tenho provas que este cara infringiu o regulamento! – Ricardo insistiu
- Pode me mostrar essas provas? – Allan falou calmamente.
- Claro que posso. Vem comigo. – Ricardo respondeu confiante
- Se é sobre mim eu quero ir ver essas provas também! – Jonas ficou irado.
- Eu também quero saber o que tá acontecendo. – eu disse
- Fica fora disso, Beth! – Jonas falou como se temesse que eu descobrisse alguma coisa.
- Por que você não quer que sua irmã vá? – Allan perguntou manso
- Eu... Isso não é assunto dela!
- Mas eu quero que ela e seus pais saibam o que é. – Allan continuou manso, mas incisivo
Foram os três para a sala. Eu também fui e meus pais foram chamados. Ricardo mostrou uma gravação que havia feito de Jonas conversando com um garoto de lá, o Marcelo. Na gravação Marcelo oferecia um cigarro de maconha para Jonas, dizendo que isso iria fazer com que ele relaxasse antes da competição. Aquilo me pareceu tramado, mas Jonas aceitou e fumou aquela erva maldita.
- Contra fatos não há argumentos. – Allan afirmou – Nesta gravação há provas de várias infrações. Você se afastou do local da competição e só por este fato já poderia ser desclassificado. Além disso, fumou um cigarro de maconha.
- Tá, eu fumei! Mas algum dedo duro gravou!
- Tá, mas infelizmente, você tá fora. – Allan deu o ultimato.
- Vocês não podem reconsiderar?! – meu pai irritou-se – Falam tanto em perdão e não perdoam uma falta!
- Ninguém está negando perdão ao seu filho, mas temos critérios que têm que ser respeitados e reunimos todos os concorrentes esclarecendo que infrações acarretam a desclassificação. Temos responsabilidades com o grupo inteiro e muitos ainda não têm 18 anos. Seu filho demonstrou instabilidade emocional. Ele precisa curar-se de uma tendência.
- Só por que “puxei uma”, não quer dizer que eu tenha tendência! – Jonas protestou
- Pode não ter agora, mas depois você pode querer experimentar alguma coisa mais forte e eu tenho uma instituição pela qual devo zelar e que não pode ficar comprometida diante de outros alunos, de seus pais e dos meus patrocinadores.
- Foi uma fraqueza, isso não pode ser relevado? – minha mãe indagou.
- Não há como abrir precedentes. O nome da academia e de todos envolvidos entra em jogo. Um erro é um erro, não pode ser encoberto. Isso faz parte do crescimento.
- Como pode garantir que não haja outros fazendo o mesmo por aqui? – meu pai perguntou
- Se houver, temos como descobrir.
- Por algum dedo duro, naturalmente! – meu pai lançou um olhar acusador para Ricardo.
- Mesmo que seu filho não fosse dedurado, temos outros meios de descobrir que não revelamos e, além disso, somos atentos ao rendimento e conduta dos alunos. Claro que ele poderia ter usado uma vez ou outra e não dar a perceber a ninguém, mas tivemos provas e não podemos admitir a permanência de um aluno aqui nestas condições. Se ele não tivesse sido descoberto agora, poderia ser depois, mesmo sendo classificado. Com o tempo continuando no vício, o desempenho dele poderia baixar. Uma mentira não dura tanto tempo quanto possa se pensar.
- Então minha filha também não vai ficar! – meu pai impôs, levantando-se raivoso.
- Quê?! – eu gritei estarrecida
- É isso mesmo! Você é menor, está sob a responsabilidade de seus pais e se não podem aceitar seu irmão aqui, eu também não quero que você fique! Vocês crentes são conversa fiada! Depois ficam dizendo pra perdoar!
- Perdoado, seu filho está e eu também peço que nos perdoe e entenda, pois perdoar não significa infringir regras. Seu filho precisa ser ajudado. Não desconte a frustração na sua filha, por favor.
Meu pai não quis mais conversa e saiu bufando de raiva, minha mãe pediu calma a ele e desculpou-se com Allan e Alessandra. Eu saí correndo e chorando. Alessandra foi atrás de mim.
- Beth, eu lamento, eu vou falar com seu pai.
- Ele tá inflexível! – respondi chorando mais ainda e Alessandra me abraçou. Logo depois vi minha mãe
- Filha, eu discordo de você em várias coisas, mas estou muito chateada com seu pai e com seu irmão. Vou falar sério com os dois.
- Não, por favor! Vocês vão brigar! Poxa, eu nunca pensei que poderia acontecer justamente o que eu mais pedi pra que não acontecesse! Eu vejo minha família cada vez mais desunida!
Meu irmão menor, Lucas apareceu e disse docemente:
- Não fica assim Beth. Tudo vai acabar bem. Você diz sempre: Mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas. (Mateus 6: 33). Então? Vamos orar, Deus vai responder.
Eu sorri e o abracei. Felizmente eu tinha no meu irmãozinho um homenzinho de Deus e nunca o proibiram de ir à igreja comigo. Nós oramos e depois meu pai apareceu com a cabeça mais fria e falou:
- Desculpe filha, fiquei muito irritado. Apesar de eu e sua mãe não concordarmos em muitas coisas, ela soube como argumentar. Não vou impedir você de realizar seu sonho.
Fiquei feliz por meu pai ter voltado atrás e o abracei.
- ‘Brigada por ter reconsiderado, pai.
Meu alívio durou pouco, pois lembrei imediatamente de uma coisa:
- Cadê o Jonas?
Ninguém sabia dele. Jonas simplesmente sumiu sem falar com ninguém. Anoiteceu e nada dele aparecer. Começamos a ligar pra polícia, hospitais e até procuramos saber dele por amigos que moravam perto. Amanheceu e até as 07h00min não tínhamos nenhuma notícia. Finalmente, a polícia comunicou que houve uma quebradeira numa festa lá perto, organizada pelo pessoal que perdeu a competição. Era uma espécie de “premio de consolação” que a galera se dava, e as conseqüências geralmente eram desastrosas. Algumas pessoas fugiram quando perceberam a chegada dos guardas. Fui com meus pais à delegacia e um rapaz conhecido tava lá, o Léo, num estado lamentável, olhos vermelhos, devia ter bebido, cheirado e fumado tudo o que se sentiu no direito. Ele deu trabalho aos policiais que exigiram que ele dissesse tudo o que ocorreu na festa. Os pais dele foram chamados e pagaram fiança, mas antes perguntamos sobre Jonas e Léo disse:
- Jonas continuou a comemoração com outros num barco na praia de Barra da Lagoa.
- Tá, mas e depois disso alguém soube dele? – meu pai perguntou aflito
- Não. – Léo disse
Fomos todos pra lá e nada de Jonas. Anoiteceu, continuamos a procurar e na manhã do dia seguinte fomos a um hospital próximo e soubemos que tinha dado entrada lá um garoto afogado socorrido por um pescador. Apesar das esperanças renovadas, ficamos aflitos, pois mesmo sabendo que o garoto estava com vida, não sabíamos se era Jonas. Encontramos o quarto e entramos.
- Jonas! – eu gritei ao mesmo tempo aliviada e angustiada por saber seu estado. Ele ficou bem machucado. Estava com ataduras na cabeça.
- Beth... - ele falou com dificuldade.
- Por que você fez isso? – perguntei chorando
- Queria nos assustar e conseguiu. – minha mãe mesmo aliviada por tê-lo encontrado foi dura demais
- Mãe! Não fala assim, como se ele fosse um caso perdido! – eu pedi
- O problema pra mim não é ela, é você! – Jonas disse para mim
- Eu?! – fiquei atônita com aquela afirmativa
- É. Ela sempre gostou mais de você, a filhinha querida, a mais perfeita, sempre elogiando seu surf, sempre exigindo mais de mim!
- Isso não é verdade, Jonas. – minha mãe falou baixo, mas firme - Eu nunca fiz diferença entre vocês. É natural que uma mãe seja mais zelosa com a filha mulher e ela não era tão segura no começo. Tudo o que fiz foi apoiar sua irmã. Você sempre demonstrou mais agilidade.
- O que eu mais aprendi foi com você, Jonas. Se te magoei sem sentir, me perdoa.
- Grandes coisas, agora tô fora mesmo!
- Mas pode voltar. Pode se libertar desta situação e provar sua capacidade sem se deixar levar por um vício. – eu argumentei
- Não é vício, eu puxei poucas vezes, não foi justo me desclassificar por um vacilo sem importância!
- Sem importância pra você! Isso pode prejudicar outros que queiram experimentar só de ver você fazendo. – tentei fazer Jonas entender a gravidade do seu ato, mas ele não dava o braço a torcer.
- O ano tá perdido pra mim.
- Não, não tá! O que você precisa Jonas é sair de dentro do grande peixe, do seu mundinho interior e entender que o seu vacilo poderia afetar uma equipe inteira! Você se queixa de mim, da mamãe, não reconhece que o papai não mediu esforços pra que você estivesse aqui e todos vieram pra torcer por você, tanto quanto por mim. Fuma uma porcaria, joga tudo fora e bota a culpa nos outros que te amam e ficaram te procurando! Você quer sempre chamar a atenção! Cresce cara! Você é mais velho que eu e tá se comportando como um bebe mimado! Nunca quis te magoar, mas você tá atingindo a todos com suas atitudes inconseqüentes, passou dos limites! Você é mais rebelde que o Jonas da Bíblia foi! Mas espero que como ele, que foi osso duro de roer, ainda possa cair em si!
Saí, correndo daquele hospital. Arrasada, machucada, ferida mesmo. Meu irmão que eu amava tanto com tanta mágoa de mim. Minha mãe tentou me conter, foi atrás de mim no corredor.
- Beth, ele tá revoltado, mas vai passar, não fica assim minha filha! – ela me abraçou e eu correspondi, mas precisava de um tempo.
- Vai passar sim, mãe, mas eu preciso ficar um pouco só, não leva a mal.
- Claro, minha filha, mas não dá um sumiço como ele deu por causa disso, vou ficar preocupada.
- Não se preocupa, eu vou lá pra academia. Vou pensar um pouco, esfriar a cabeça. Acho bom que todos nós fiquemos um pouco sozinhos pra pensar em tudo que tá errado.
- Tá, você deve estar certa, vou seguir sua intuição.
Fui pra academia e chorei muito, fui consolada por Allan e Alessandra e depois pedi pra ficar um pouco só. Fui orar perto do mar. Clamei ao Senhor com muitas lágrimas nos olhos e na minha oração gritei pra Ele aquela passagem bíblica que era tudo o que eu sentia naquele momento de angústia: “Os sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado; a um coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus.” (Salmos 51: 17).
- É isso mesmo, minha filha. – disse alguém com uma voz terna de um pai que não era o meu, mas naquele momento O Pai o enviou como um anjo pra amenizar a dor que eu sentia. Virei-me assustada, mas aquele olhar doce deu-me confiança.
- Oi. – disse eu impactada. – Quem é você?
- Eu sou Beto. Soube do problema do seu irmão e quero ajudar.
- Como?
Assim Beto tornou-se o personagem principal no desfecho desta história.
- Vamos fazer a oração que O Pai ensinou: Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome;
Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu;
O pão nosso de cada dia nos dá hoje; E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores; E não nos induzas à tentação; mas livra-nos do mal; porque teu é o reino, e o poder, e a glória, para sempre. Amém. (Mateus 6: 9 - 13)
Depois de uma explanação sobre toda a rotina, Allan frisou bem:
- Aqui não será tolerada mentira e ninguém pense que possa nos enrolar. Temos meios de descobrir as irregularidades e simplesmente aquele que não for leal não ficará. Trapaças durante as competições e falta de respeito aos colegas implicam em desconto de pontos e até desclassificação dependendo da gravidade do ato.
Quando acabaram as apresentações, minha mãe comentou:
- Até parece que todos vão ter um comportamento exemplar. Todo o ser humano mente, nem que seja uma mentirinha.
- Mãe, pra Deus não tem mentirinha, nem mentirão, é tudo mentira.
- Lá vem você com suas pregações.
- E você com suas polêmicas.
- Mas eu acho que todas as pessoas mentem.
- Por que pra você sua psicologia é superior à palavra de Deus.
- Beth, não vou discutir com você.
- Nem tão pouco eu com você.
- Tá, então dá licença, antes que eu fique mais saturada do que já tô.
Ela saiu de perto e Alessandra que assistia nossa discussão olhando um pouco de longe, se aproximou.
- Que foi lindinha?
- Deixa pra lá... – eu respondi de cabeça baixa e não consegui conter as lágrimas que começaram a rolar.
- Daqui a uma hora é a competição pra classificação. Fala, por favor, você precisa desabafar, isso vai influir no seu rendimento.
Eu resumi o ocorrido e ela disse:
- Lembra o que a palavra diz? “Irai-vos, e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira.” (Efésios 4: 26). Não que você tenha dito nada de errado, mas deixa O Espírito de Deus trabalhar. Se reconcilie com sua mãe, vai fazer muito mais mal a você do que à ela a discussão.
Logo depois procurei minha mãe que antes que eu falasse, disse:
- Eu não quero aumentar sua tensão pra hora de competir, me desculpe.
- Eu que peço perdão mãe. Não devia discutir. Tudo tá nas mãos de Deus, inclusive minha vitória e se eu não ganhar, não vou me sentir perdedora, tudo é experiência.
Falei com Alessandra que observou:
- Dá pra ver no seu rosto estampada a expressão de alívio.
- É muito ruim a gente não se entender em família.
- Mas vai ser bom pra você o tempo que vai ficar aqui. Vai ficar mais independente, se disciplinar mais. Vai ser como um retiro espiritual prolongado.
- É mesmo.
- Ainda tem mais de meia hora. Põe em prática esta passagem: “Mas tu, quando orares, entra no teu aposento e, fechando a tua porta, ora a teu Pai que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará publicamente.” (Mateus 6: 6) vai lá ao alojamento aqui à direita e faz isso.
Orei rapidamente, coloquei toda a minha ansiedade nas mãos do SENHOR. Sei que ele deu todo o alívio necessário. Voltei e vi meu irmão Jonas tenso, sinalizando pelo olhar fixo no mar que não queria conversa.
Iniciou a competição. As meninas foram primeiro. Eu dei tudo de mim.
- Vai comigo acampando seus anjos ao meu redor, Senhor. – eu disse enquanto deslizava no mar com a prancha, aguardando o momento de pegar uma boa onda.
Vi a onda ideal que parecia um presente direto de Deus, me coloquei na posição e senti meu corpo tão leve sobre a prancha como se os anjos do Senhor me segurassem. Foi tudo tão rápido, a primeira e a segunda bateria, contrastando com os momentos anteriores da espera que pareciam uma eternidade.
- Você foi muito bem, filha. Tem grandes possibilidades de vencer. – minha mãe elogiou
- Acho que sim. – eu reconheci meu empenho, mas no íntimo ainda tava um pouco apreensiva.
Meu irmão Jonas estava confiante e eu o admirava muito. Sempre fomos unidos e surfávamos juntos desde muito pequenos. O mar sempre foi meu ambiente natural. Jonas tinha 10 anos e eu 9 quando participamos pela primeira vez de um torneio estadual mirim. Ele tirou o 1º lugar entre os meninos e eu também entre as meninas. Éramos uma dupla dinâmica e tudo indicava que assim continuaríamos. Mas as coisas mudam. Assim como as ondas passam, águas diferentes rolariam na nossa boa relação de irmãos. Na hora de competir, Jonas deu tudo. Na contagem de pontos ele estava em primeiro, empatando com outro garoto, Ricardo.
- Vamos ter que fazer uma prorrogação pra desempatar. - Allan anunciou
- Não é preciso nenhuma prorrogação. – Ricardo interveio.
- Como assim? – Allan estranhou
- Eu tenho provas que este cara infringiu o regulamento! – Ricardo insistiu
- Pode me mostrar essas provas? – Allan falou calmamente.
- Claro que posso. Vem comigo. – Ricardo respondeu confiante
- Se é sobre mim eu quero ir ver essas provas também! – Jonas ficou irado.
- Eu também quero saber o que tá acontecendo. – eu disse
- Fica fora disso, Beth! – Jonas falou como se temesse que eu descobrisse alguma coisa.
- Por que você não quer que sua irmã vá? – Allan perguntou manso
- Eu... Isso não é assunto dela!
- Mas eu quero que ela e seus pais saibam o que é. – Allan continuou manso, mas incisivo
Foram os três para a sala. Eu também fui e meus pais foram chamados. Ricardo mostrou uma gravação que havia feito de Jonas conversando com um garoto de lá, o Marcelo. Na gravação Marcelo oferecia um cigarro de maconha para Jonas, dizendo que isso iria fazer com que ele relaxasse antes da competição. Aquilo me pareceu tramado, mas Jonas aceitou e fumou aquela erva maldita.
- Contra fatos não há argumentos. – Allan afirmou – Nesta gravação há provas de várias infrações. Você se afastou do local da competição e só por este fato já poderia ser desclassificado. Além disso, fumou um cigarro de maconha.
- Tá, eu fumei! Mas algum dedo duro gravou!
- Tá, mas infelizmente, você tá fora. – Allan deu o ultimato.
- Vocês não podem reconsiderar?! – meu pai irritou-se – Falam tanto em perdão e não perdoam uma falta!
- Ninguém está negando perdão ao seu filho, mas temos critérios que têm que ser respeitados e reunimos todos os concorrentes esclarecendo que infrações acarretam a desclassificação. Temos responsabilidades com o grupo inteiro e muitos ainda não têm 18 anos. Seu filho demonstrou instabilidade emocional. Ele precisa curar-se de uma tendência.
- Só por que “puxei uma”, não quer dizer que eu tenha tendência! – Jonas protestou
- Pode não ter agora, mas depois você pode querer experimentar alguma coisa mais forte e eu tenho uma instituição pela qual devo zelar e que não pode ficar comprometida diante de outros alunos, de seus pais e dos meus patrocinadores.
- Foi uma fraqueza, isso não pode ser relevado? – minha mãe indagou.
- Não há como abrir precedentes. O nome da academia e de todos envolvidos entra em jogo. Um erro é um erro, não pode ser encoberto. Isso faz parte do crescimento.
- Como pode garantir que não haja outros fazendo o mesmo por aqui? – meu pai perguntou
- Se houver, temos como descobrir.
- Por algum dedo duro, naturalmente! – meu pai lançou um olhar acusador para Ricardo.
- Mesmo que seu filho não fosse dedurado, temos outros meios de descobrir que não revelamos e, além disso, somos atentos ao rendimento e conduta dos alunos. Claro que ele poderia ter usado uma vez ou outra e não dar a perceber a ninguém, mas tivemos provas e não podemos admitir a permanência de um aluno aqui nestas condições. Se ele não tivesse sido descoberto agora, poderia ser depois, mesmo sendo classificado. Com o tempo continuando no vício, o desempenho dele poderia baixar. Uma mentira não dura tanto tempo quanto possa se pensar.
- Então minha filha também não vai ficar! – meu pai impôs, levantando-se raivoso.
- Quê?! – eu gritei estarrecida
- É isso mesmo! Você é menor, está sob a responsabilidade de seus pais e se não podem aceitar seu irmão aqui, eu também não quero que você fique! Vocês crentes são conversa fiada! Depois ficam dizendo pra perdoar!
- Perdoado, seu filho está e eu também peço que nos perdoe e entenda, pois perdoar não significa infringir regras. Seu filho precisa ser ajudado. Não desconte a frustração na sua filha, por favor.
Meu pai não quis mais conversa e saiu bufando de raiva, minha mãe pediu calma a ele e desculpou-se com Allan e Alessandra. Eu saí correndo e chorando. Alessandra foi atrás de mim.
- Beth, eu lamento, eu vou falar com seu pai.
- Ele tá inflexível! – respondi chorando mais ainda e Alessandra me abraçou. Logo depois vi minha mãe
- Filha, eu discordo de você em várias coisas, mas estou muito chateada com seu pai e com seu irmão. Vou falar sério com os dois.
- Não, por favor! Vocês vão brigar! Poxa, eu nunca pensei que poderia acontecer justamente o que eu mais pedi pra que não acontecesse! Eu vejo minha família cada vez mais desunida!
Meu irmão menor, Lucas apareceu e disse docemente:
- Não fica assim Beth. Tudo vai acabar bem. Você diz sempre: Mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas. (Mateus 6: 33). Então? Vamos orar, Deus vai responder.
Eu sorri e o abracei. Felizmente eu tinha no meu irmãozinho um homenzinho de Deus e nunca o proibiram de ir à igreja comigo. Nós oramos e depois meu pai apareceu com a cabeça mais fria e falou:
- Desculpe filha, fiquei muito irritado. Apesar de eu e sua mãe não concordarmos em muitas coisas, ela soube como argumentar. Não vou impedir você de realizar seu sonho.
Fiquei feliz por meu pai ter voltado atrás e o abracei.
- ‘Brigada por ter reconsiderado, pai.
Meu alívio durou pouco, pois lembrei imediatamente de uma coisa:
- Cadê o Jonas?
Ninguém sabia dele. Jonas simplesmente sumiu sem falar com ninguém. Anoiteceu e nada dele aparecer. Começamos a ligar pra polícia, hospitais e até procuramos saber dele por amigos que moravam perto. Amanheceu e até as 07h00min não tínhamos nenhuma notícia. Finalmente, a polícia comunicou que houve uma quebradeira numa festa lá perto, organizada pelo pessoal que perdeu a competição. Era uma espécie de “premio de consolação” que a galera se dava, e as conseqüências geralmente eram desastrosas. Algumas pessoas fugiram quando perceberam a chegada dos guardas. Fui com meus pais à delegacia e um rapaz conhecido tava lá, o Léo, num estado lamentável, olhos vermelhos, devia ter bebido, cheirado e fumado tudo o que se sentiu no direito. Ele deu trabalho aos policiais que exigiram que ele dissesse tudo o que ocorreu na festa. Os pais dele foram chamados e pagaram fiança, mas antes perguntamos sobre Jonas e Léo disse:
- Jonas continuou a comemoração com outros num barco na praia de Barra da Lagoa.
- Tá, mas e depois disso alguém soube dele? – meu pai perguntou aflito
- Não. – Léo disse
Fomos todos pra lá e nada de Jonas. Anoiteceu, continuamos a procurar e na manhã do dia seguinte fomos a um hospital próximo e soubemos que tinha dado entrada lá um garoto afogado socorrido por um pescador. Apesar das esperanças renovadas, ficamos aflitos, pois mesmo sabendo que o garoto estava com vida, não sabíamos se era Jonas. Encontramos o quarto e entramos.
- Jonas! – eu gritei ao mesmo tempo aliviada e angustiada por saber seu estado. Ele ficou bem machucado. Estava com ataduras na cabeça.
- Beth... - ele falou com dificuldade.
- Por que você fez isso? – perguntei chorando
- Queria nos assustar e conseguiu. – minha mãe mesmo aliviada por tê-lo encontrado foi dura demais
- Mãe! Não fala assim, como se ele fosse um caso perdido! – eu pedi
- O problema pra mim não é ela, é você! – Jonas disse para mim
- Eu?! – fiquei atônita com aquela afirmativa
- É. Ela sempre gostou mais de você, a filhinha querida, a mais perfeita, sempre elogiando seu surf, sempre exigindo mais de mim!
- Isso não é verdade, Jonas. – minha mãe falou baixo, mas firme - Eu nunca fiz diferença entre vocês. É natural que uma mãe seja mais zelosa com a filha mulher e ela não era tão segura no começo. Tudo o que fiz foi apoiar sua irmã. Você sempre demonstrou mais agilidade.
- O que eu mais aprendi foi com você, Jonas. Se te magoei sem sentir, me perdoa.
- Grandes coisas, agora tô fora mesmo!
- Mas pode voltar. Pode se libertar desta situação e provar sua capacidade sem se deixar levar por um vício. – eu argumentei
- Não é vício, eu puxei poucas vezes, não foi justo me desclassificar por um vacilo sem importância!
- Sem importância pra você! Isso pode prejudicar outros que queiram experimentar só de ver você fazendo. – tentei fazer Jonas entender a gravidade do seu ato, mas ele não dava o braço a torcer.
- O ano tá perdido pra mim.
- Não, não tá! O que você precisa Jonas é sair de dentro do grande peixe, do seu mundinho interior e entender que o seu vacilo poderia afetar uma equipe inteira! Você se queixa de mim, da mamãe, não reconhece que o papai não mediu esforços pra que você estivesse aqui e todos vieram pra torcer por você, tanto quanto por mim. Fuma uma porcaria, joga tudo fora e bota a culpa nos outros que te amam e ficaram te procurando! Você quer sempre chamar a atenção! Cresce cara! Você é mais velho que eu e tá se comportando como um bebe mimado! Nunca quis te magoar, mas você tá atingindo a todos com suas atitudes inconseqüentes, passou dos limites! Você é mais rebelde que o Jonas da Bíblia foi! Mas espero que como ele, que foi osso duro de roer, ainda possa cair em si!
Saí, correndo daquele hospital. Arrasada, machucada, ferida mesmo. Meu irmão que eu amava tanto com tanta mágoa de mim. Minha mãe tentou me conter, foi atrás de mim no corredor.
- Beth, ele tá revoltado, mas vai passar, não fica assim minha filha! – ela me abraçou e eu correspondi, mas precisava de um tempo.
- Vai passar sim, mãe, mas eu preciso ficar um pouco só, não leva a mal.
- Claro, minha filha, mas não dá um sumiço como ele deu por causa disso, vou ficar preocupada.
- Não se preocupa, eu vou lá pra academia. Vou pensar um pouco, esfriar a cabeça. Acho bom que todos nós fiquemos um pouco sozinhos pra pensar em tudo que tá errado.
- Tá, você deve estar certa, vou seguir sua intuição.
Fui pra academia e chorei muito, fui consolada por Allan e Alessandra e depois pedi pra ficar um pouco só. Fui orar perto do mar. Clamei ao Senhor com muitas lágrimas nos olhos e na minha oração gritei pra Ele aquela passagem bíblica que era tudo o que eu sentia naquele momento de angústia: “Os sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado; a um coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus.” (Salmos 51: 17).
- É isso mesmo, minha filha. – disse alguém com uma voz terna de um pai que não era o meu, mas naquele momento O Pai o enviou como um anjo pra amenizar a dor que eu sentia. Virei-me assustada, mas aquele olhar doce deu-me confiança.
- Oi. – disse eu impactada. – Quem é você?
- Eu sou Beto. Soube do problema do seu irmão e quero ajudar.
- Como?
Assim Beto tornou-se o personagem principal no desfecho desta história.
Muito bom esse capítulo!
ResponderExcluirGosto como você coloca nas situações do dia-a-dia a Palavra de Deus, aplicando-a.
A gente se sente dentro da estória e encontra conforto.
Aguardando o próximo capítulo...
Que interesante a história de Jonas irmão de Beth é bem parecida com a de Jonas da biblia. Por um errinho dele todos os outros podem estar perdidos.
ResponderExcluirE eu sou apaixonada por esse versiculo que fala do "coração contrito não desprezarás, ó Deus"
É lindo!!! Me lembra do hino do DT " O quebrantado não desprezarás, ó Deus...Amigo do oprimido, consolador do arrependido...conforto e paz do que se sente só ...restaurador ....(e assim vai)
gostei muito da história da Beth e do irmão delaa!! Engraçado é que eu escrevi um cap que tmbm faz comentários sobre respeitar regras!!
ResponderExcluirMuito bom MESMO!
A paz!
Oi Vinicius, se você ainda não reconheceu, sou a Angela de Meus ensaios e contos rsrsrs
ResponderExcluirAmei a história de Beth e Jonas...
passando pro próximo!
Gooosteeiiii da história... A Beti falou tudo no hospital para o seu irmão.... Capítulo muito bom!!!
ResponderExcluirE quem será esse novo personagem?
Hum.... vamos ver