DIA INESQUECÍVEL – ALESSANDRA
Dia 05 de julho de 1986. Para mim, se iniciava meio sem graça em relação a outros que vivi e na minha cabeça não seria melhor do que o do ano anterior. Amanheci chateada, nenhum telefonema, nem de meu pai, só do Allan, no início da tarde.
- Convida o Allan pra jantar fora com a gente. – minha mãe sugeriu
- Ele não vai gostar.
- Convida, filha, diz que eu tô convidando, faço questão que ele venha. É tudo por minha conta – minha mãe insistiu
- Ai, tá bom... Allan, minha mãe...
- Eu ouvi. Bom, é seu aniversário e ela tá sendo tão simpática, não tenho como recusar.
- Espertinho... – falei com malícia. A reação dele me surpreendeu, mas também achei que ele uniria o útil ao agradável.
Á noite fomos eu, Allan e minha mãe e continuei reclamando como na maior parte do dia:
- Aquelas ingratas da Brenda e da Carla! Ainda vão se ver comigo! Nem ligaram pra mim!
- Elas não fizeram por mal, devem estar muito ocupadas, ainda vão ligar. – minha mãe argumentou
- Quando?! De madrugada?!
- Calma filha. Allan, vem comigo ver as reservas que eu fiz. Você espera aqui que a gente já volta, Alessandra.
Esperei e achei que estavam demorando um pouco, quando Allan voltou e disse:
- Vamos lá, gata!
Senti pelo jeitinho de Allan que estavam escondendo alguma coisa pois achei estranho que ele e minha mãe que não tinham tanta intimidade tivessem entrado antes. Quando entrei, fui surpreendida por uma gravação de um coro cantando PARABÉNS PRA VOCÊ, acompanhado de Brenda e Carla que me esperavam. Fiquei tão feliz. Nos abraçamos as três e depois, a surpresa ainda maior: meu pai tava lá. Foi aí que não suportei tanta alegria e chorei abraçada com ele.
- Pai...que presente! Não que vocês também não tenham sido, - lembrei logo de dizer à Brenda e À Carla - mas a presença de vocês eu poderia esperar com certeza.‘Brigada, mãe! – lembrei de abraçar e beijar minha mãe.
- Numa data tão importante pra nós é o momento de passar por cima das diferenças. – minha mãe falou com muita sinceridade, olhando com um olhar de perdão pro meu pai.
Depois de toda aquela emoção, fomos pro prédio e meu pai disse:
- Vou vendar seus olhos pra você ver a surpresa maior destes seus 18 aninhos.
Meu pai foi me levando sem eu ter idéia pra onde estava indo, mas senti que estava descendo. Quando me tirou a venda eu estava na garagem do prédio e vi um presente coberto que estava óbvio que era um carro, mas ainda seria mais uma surpresa a marca. Quando retirei aquela capa com uma fita vermelha enfeitando em cima: um Scort XR3.
- Ai! É lindo, pai! – joguei-me nos braços dele e chorei outra vez – Gente, - Falei a todos – vocês fizeram com que este dia fosse inesquecível!
Em breve eu tiraria a carteira e poderia usar este carro que se falasse teria muita história pra contar, mas que eu bem preferiria que não tivesse.
Pra completar meu presente, como era sábado, minhas amigas dormiram lá em casa.
- Achei o Allan muito simpático, Lessandra. – Brenda comentou
- Um gatão. – Carla observou
- É, mas pelo menos por enquanto, tem parceira. – eu disse
- Claro! – Carla riu concordando
- Parceira, Lessandra? – Brenda fez uma careta não achando meu termo nada romântico
- Gente, já falamos sobre isso. Não me sinto dona dele. – eu argumentei
- Mas isso parece tão frio. – Brenda contra-argumentou
- Não vou mentir, não tô apaixonada por ele. Eu senti uma emoção diferente da primeira vez que o vi, mas sei que não é amor.
- Mas você tem uma tremenda atração por ele. – Carla afirmou
- E essa atração pode se transformar em algo maior, porque você foi carinhosa com ele lá. – Brenda completou a observação de Carla.
- É, minha mãe convidou e eu também passei o aniversário dele com ele, então achei um modo de retribuir.
- Você continua com medo. Como vai conseguir vencer isso? - Brenda observou preocupada
- Brenda, eu não gosto de pensar nisso. Tô muito nova pra me amarrar em alguém.
- Amarrar?! Você fala como se um relacionamento mais sério fosse uma prisão! – Brenda disse impressionada
- Numa boa, Alessandra, eu acho que mexeu muito com você a separação dos seus pais. – Carla analisou
- Mas eu já não acreditava muito em amor antes. – eu rebati
- Então, a situação dos seus pais contribuiu pra esfriar ainda mais você neste sentido. – Brenda reforçou
- Gente, vamos deixar isso pra lá. Se tiver que ficar mais sério vai ficar, se não, eu parto pra outra. – procurei encerrar o assunto
- Lessandra, não fica chateada, mas é que eu acho que faz tanta falta a gente conversar mais. Lembro que quando a gente tava aqui, no mesmo prédio, as coisas eram diferentes. Você tá há mais tempo com esse cara do que ficou com outros.
Antes você ficava mais tempo sozinha e se não dava certo, não partia logo pra outra. Acho que você tá tentando compensar a solidão. – Brenda demonstrava uma inquietação, uma necessidade de me ajudar a refletir sobre o meu momento de vida.
- Ai, gente....- suspirei e senti que estava entregando os pontos – É tão difícil pra mim aceitar tudo o que aconteceu nestes últimos seis meses. Mal entrou o ano, fizemos o vestibular e quando tava meio apreensiva pra mudança de vida, parece que não bastou o que já tava previsto acontecer. Foi tudo de uma vez! No mesmo dia meus pais se separaram, fiquei sabendo que ia ficar sem vocês.
- Acho que foi mais sofrido pra você do que pra gente. – Brenda falou com compreensão
- É mesmo. Eu fui tão egoísta naquele dia. Pensei primeiro no que tava sentindo, nem parei pra pensar que você podia estar sofrendo com razão. – Carla lembrou
- É natural, Carla. – Brenda a tranqüilizou – Assim que um problema aparece na nossa frente, parece que é maior do que o de qualquer outra pessoa. Mas depois, quando a gente se dispõe a ouvir alguém, tudo muda. Se a gente se separa de si mesmo, pode ouvir o outro com mais compaixão. Daí, pode entender melhor, chegar à uma conclusão, como você chegou que a Alessandra tava sofrendo mais.
- Você é muito mais madura que a gente, Brenda. – eu admiti.
- Acho que a vida traz lições, eu tenho aprendido muito. Mas não quis dizer que mesmo com problemas menores, as pessoas não mereçam respeito. Sofri com a separação da gente, senti muito a separação dos seus pais, tô me adaptando com a vida nova na Penha, mas sei que não foi fácil pra ninguém a mudança repentina.
- O início é difícil mesmo. – Carla disse
- Mas o importante é que a gente tá aqui agora, juntas. – eu disse com satisfação
- Nunca vamos nos separar. Mesmo quando estivermos mais velhas, nossa amizade vai continuar. – Brenda também comemorava aquele momento.
- Com certeza. Amizades como a nossa quase não se encontra mais. – Carla sorriu aquele sorriso sincero, da amizade, da felicidade daquele momento então raro entre nós.
O rumo da conversa mudou e ficamos conversando mais descontraidamente, brincando, lembrando de coisas das nossas infâncias. Foi mesmo um dia inesquecível. Tão feliz como aquele, tão cedo eu não tive.
Diálogo, ou quase isso.
Há 13 anos