sábado, 31 de outubro de 2009

CAPÍTULO X

DIA INESQUECÍVEL – ALESSANDRA
Dia 05 de julho de 1986. Para mim, se iniciava meio sem graça em relação a outros que vivi e na minha cabeça não seria melhor do que o do ano anterior. Amanheci chateada, nenhum telefonema, nem de meu pai, só do Allan, no início da tarde.
- Convida o Allan pra jantar fora com a gente. – minha mãe sugeriu
- Ele não vai gostar.
- Convida, filha, diz que eu tô convidando, faço questão que ele venha. É tudo por minha conta – minha mãe insistiu
- Ai, tá bom... Allan, minha mãe...
- Eu ouvi. Bom, é seu aniversário e ela tá sendo tão simpática, não tenho como recusar.
- Espertinho... – falei com malícia. A reação dele me surpreendeu, mas também achei que ele uniria o útil ao agradável.
Á noite fomos eu, Allan e minha mãe e continuei reclamando como na maior parte do dia:
- Aquelas ingratas da Brenda e da Carla! Ainda vão se ver comigo! Nem ligaram pra mim!
- Elas não fizeram por mal, devem estar muito ocupadas, ainda vão ligar. – minha mãe argumentou
- Quando?! De madrugada?!
- Calma filha. Allan, vem comigo ver as reservas que eu fiz. Você espera aqui que a gente já volta, Alessandra.
Esperei e achei que estavam demorando um pouco, quando Allan voltou e disse:
- Vamos lá, gata!
Senti pelo jeitinho de Allan que estavam escondendo alguma coisa pois achei estranho que ele e minha mãe que não tinham tanta intimidade tivessem entrado antes. Quando entrei, fui surpreendida por uma gravação de um coro cantando PARABÉNS PRA VOCÊ, acompanhado de Brenda e Carla que me esperavam. Fiquei tão feliz. Nos abraçamos as três e depois, a surpresa ainda maior: meu pai tava lá. Foi aí que não suportei tanta alegria e chorei abraçada com ele.
- Pai...que presente! Não que vocês também não tenham sido, - lembrei logo de dizer à Brenda e À Carla - mas a presença de vocês eu poderia esperar com certeza.‘Brigada, mãe! – lembrei de abraçar e beijar minha mãe.
- Numa data tão importante pra nós é o momento de passar por cima das diferenças. – minha mãe falou com muita sinceridade, olhando com um olhar de perdão pro meu pai.
Depois de toda aquela emoção, fomos pro prédio e meu pai disse:
- Vou vendar seus olhos pra você ver a surpresa maior destes seus 18 aninhos.
Meu pai foi me levando sem eu ter idéia pra onde estava indo, mas senti que estava descendo. Quando me tirou a venda eu estava na garagem do prédio e vi um presente coberto que estava óbvio que era um carro, mas ainda seria mais uma surpresa a marca. Quando retirei aquela capa com uma fita vermelha enfeitando em cima: um Scort XR3.
- Ai! É lindo, pai! – joguei-me nos braços dele e chorei outra vez – Gente, - Falei a todos – vocês fizeram com que este dia fosse inesquecível!
Em breve eu tiraria a carteira e poderia usar este carro que se falasse teria muita história pra contar, mas que eu bem preferiria que não tivesse.
Pra completar meu presente, como era sábado, minhas amigas dormiram lá em casa.
- Achei o Allan muito simpático, Lessandra. – Brenda comentou
- Um gatão. – Carla observou
- É, mas pelo menos por enquanto, tem parceira. – eu disse
- Claro! – Carla riu concordando
- Parceira, Lessandra? – Brenda fez uma careta não achando meu termo nada romântico
- Gente, já falamos sobre isso. Não me sinto dona dele. – eu argumentei
- Mas isso parece tão frio. – Brenda contra-argumentou
- Não vou mentir, não tô apaixonada por ele. Eu senti uma emoção diferente da primeira vez que o vi, mas sei que não é amor.
- Mas você tem uma tremenda atração por ele. – Carla afirmou
- E essa atração pode se transformar em algo maior, porque você foi carinhosa com ele lá. – Brenda completou a observação de Carla.
- É, minha mãe convidou e eu também passei o aniversário dele com ele, então achei um modo de retribuir.
- Você continua com medo. Como vai conseguir vencer isso? - Brenda observou preocupada
- Brenda, eu não gosto de pensar nisso. Tô muito nova pra me amarrar em alguém.
- Amarrar?! Você fala como se um relacionamento mais sério fosse uma prisão! – Brenda disse impressionada
- Numa boa, Alessandra, eu acho que mexeu muito com você a separação dos seus pais. – Carla analisou
- Mas eu já não acreditava muito em amor antes. – eu rebati
- Então, a situação dos seus pais contribuiu pra esfriar ainda mais você neste sentido. – Brenda reforçou
- Gente, vamos deixar isso pra lá. Se tiver que ficar mais sério vai ficar, se não, eu parto pra outra. – procurei encerrar o assunto
- Lessandra, não fica chateada, mas é que eu acho que faz tanta falta a gente conversar mais. Lembro que quando a gente tava aqui, no mesmo prédio, as coisas eram diferentes. Você tá há mais tempo com esse cara do que ficou com outros.
Antes você ficava mais tempo sozinha e se não dava certo, não partia logo pra outra. Acho que você tá tentando compensar a solidão. – Brenda demonstrava uma inquietação, uma necessidade de me ajudar a refletir sobre o meu momento de vida.
- Ai, gente....- suspirei e senti que estava entregando os pontos – É tão difícil pra mim aceitar tudo o que aconteceu nestes últimos seis meses. Mal entrou o ano, fizemos o vestibular e quando tava meio apreensiva pra mudança de vida, parece que não bastou o que já tava previsto acontecer. Foi tudo de uma vez! No mesmo dia meus pais se separaram, fiquei sabendo que ia ficar sem vocês.
- Acho que foi mais sofrido pra você do que pra gente. – Brenda falou com compreensão
- É mesmo. Eu fui tão egoísta naquele dia. Pensei primeiro no que tava sentindo, nem parei pra pensar que você podia estar sofrendo com razão. – Carla lembrou
- É natural, Carla. – Brenda a tranqüilizou – Assim que um problema aparece na nossa frente, parece que é maior do que o de qualquer outra pessoa. Mas depois, quando a gente se dispõe a ouvir alguém, tudo muda. Se a gente se separa de si mesmo, pode ouvir o outro com mais compaixão. Daí, pode entender melhor, chegar à uma conclusão, como você chegou que a Alessandra tava sofrendo mais.
- Você é muito mais madura que a gente, Brenda. – eu admiti.
- Acho que a vida traz lições, eu tenho aprendido muito. Mas não quis dizer que mesmo com problemas menores, as pessoas não mereçam respeito. Sofri com a separação da gente, senti muito a separação dos seus pais, tô me adaptando com a vida nova na Penha, mas sei que não foi fácil pra ninguém a mudança repentina.
- O início é difícil mesmo. – Carla disse
- Mas o importante é que a gente tá aqui agora, juntas. – eu disse com satisfação
- Nunca vamos nos separar. Mesmo quando estivermos mais velhas, nossa amizade vai continuar. – Brenda também comemorava aquele momento.
- Com certeza. Amizades como a nossa quase não se encontra mais. – Carla sorriu aquele sorriso sincero, da amizade, da felicidade daquele momento então raro entre nós.
O rumo da conversa mudou e ficamos conversando mais descontraidamente, brincando, lembrando de coisas das nossas infâncias. Foi mesmo um dia inesquecível. Tão feliz como aquele, tão cedo eu não tive.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

CAPÍTULO IX

MAIS UMA SURPRESA – CARLA
Eu curtia o trabalho, os novos amigos. Tinha pretendentes, sim, mas pra dizer a verdade, eu não gostava mesmo de garotões. Apesar de que os da Zona Oeste eram diferentes, mais família. Mas tinham também uns malandros, que se juntavam lá na favela próxima com atitudes suspeitas. Pelo menos a violência naquela época, embora já fosse grande, não se comparava com a de hoje. Ás vezes havia eventos, festas na academia em fins de semana e eu ia pra ajudar e participar. Havia um espaço grande, tinham uns shows populares. Embora estivesse fazendo novas amizades, sentia falta de sair com Alessandra e Brenda.
Começava a Copa do Mundo e eu nem pensava em outra coisa. Uma amiga, a Joyce, chamou pra eu ir à casa dela no sábado. Ficamos conversando, víamos na TV os comentários sobre a Copa, o jogo. Lembro como se fosse hoje o gol de Sócrates aos 17 do 1º tempo. Vimos o jogo ate o fim. Ficamos conversando um pouco mais, depois vimos o movimento na rua. O brasileiro já conta com a vitória bem antes do tempo. A rua era uma agitação só. Mais tarde, fomos pra minha casa. Tava tão ligada na Copa que até esqueci que dia era. Quando cheguei em casa, tudo escuro, o maior silêncio. De repente acendem as luzes e ouço os “parabéns pra você.” A sala estava decorada de ornamentos com símbolos da Copa. Como não poderia deixar de ser, estavam lá Alessandra e Brenda, que vieram bem mais cedo pois o trânsito estava difícil. Minha mãe combinou com Joyce que me convidasse enquanto ela preparava tudo ajudada por Alessandra, Brenda e suas respectivas mães. Chorei de felicidade e joguei-me nos braços de Alessandra e Brenda.
- Gente...eu amo vocês! Vocês são o meu maior presente! - eu disse
Foi um dos dias mais felizes da minha vida. Se fosse o último, poderia dizer que foi o mais feliz, mas outros mais felizes estariam reservados e o mais feliz, contarei depois. Tentei matar mais uma vez as saudades de Alessandra e Brenda. Já ficava saudosa antes de me despedir, pois sabia que ainda demoraria um novo reencontro. Devido ao movimento e a ter que dar atenção a outros convidados, esperamos um pouco pra conversar juntas, só nós três, mas conseguimos colocar alguns assuntos em dia.
- Carla, 18 aninhos, hein? – Brenda olhou-me como dizendo que era idade de ter juízo.
- É... – fiquei reticente imaginando se teria mesmo
- Você tá muito linda, amiga. – Alessandra elogiou
- Que é isso, linda é você. – eu disse com sinceridade, pois sempre achei Alessandra muito mais bonita do que eu
- Carla, o que importa é a beleza interior. – Brenda filosofou
- Tá, mas não quer dizer que não possa ser combinada com a exterior – eu acrescentei
- Acho que eu entendo o que a Brenda quer dizer, a beleza do ser humano que tá difícil de encontrar. – Alessandra refletiu
- Eu acho que eu procuro esta beleza também. – comecei a desenvolver um pensamento em cima do assunto
- Eu até agora não amei ninguém. – Alessandra constatou
- E o garoto com quem cê tá saindo? – Brenda perguntou
- É mesmo, ele não quis vir? – eu lembrei
- Não, eu é que disse que era uma reunião muito íntima e ele entendeu. Acho que não ia gostar de vir.
- Você não quer que vire coisa séria, né? – Brenda afirmou
- É, não mesmo. – Alessandra admitiu – Gosto de estar com ele, de sair com ele, mas como todos os outros que eu tive, não é “o cara”.
- Lessandra, eu ainda também não encontrei como você diz, “o cara”, mas eu acho que a gente deve se preservar. – Brenda opinou
- Preservar o que Brenda? O que eu tinha que perder, já perdi mesmo!
- Mas não é assim, Lessandra, você já teve experiência, mas parece que só quer se preencher fisicamente, não afetivamente. – Brenda insistiu
- Ah, sei lá, acho que tô ficando assim, prática. – Alessandra justificou-se
- Eu tô falando porque quero o seu bem. Você já pensou na possibilidade de começar um relacionamento sem querer compromisso e vir a gostar verdadeiramente do cara e o cara te dá o fora, como você vai se sentir?
- Eu imagino que isso possa acontecer, por isso não convidei o Allan pra vir hoje.
- Tá Alessandra, mas a Brenda pode ter razão e tá avisando por amor a você, que deve preservar seus sentimentos. – também opinei
- Gente, é cedo pra decidir, mas eu não acho que vá me casar. – Alessandra falou discrente
- Eu quero me preservar totalmente até meu casamento. – Brenda colocou-se
- Já eu quero esperar o momento certo. – expus minha opção
- O que é o momento certo? – Brenda questionou
- Ah, sei lá...quando aparecer o cara certo, que eu goste de verdade e queira me entregar a ele. – respondi sem muita convicção
- Carla eu sou tua amiga e vou te alertar. Mesmo que o cara seja o certo, o momento pode não ser. – Brenda disse expressando zelo por mim.
- O que você quer dizer com isso? – perguntei, pois naquele momento não entendia sua preocupação.
- Fofinha, você é uma garota bonita, chama a atenção dos garotos daqui talvez mais do que chamava em Ipanema, pois lá a mentalidade é diferente e aqui você deve ser considerada uma princesa. Você foi criada com muito cuidado pelos seus pais. Aqui você tá se tornando adulta, tendo outro sistema de vida, trabalhando, saindo. O perigo taí. A liberdade que você tem ainda pode vir a te aprisionar.
- Ainda não tô entendendo. – insisti.
- Eu vou procurar ser mais clara, amiga. Você pode não saber usar sua liberdade e daí atrapalhar o seu momento. Você tem um lado muito maduro de ter responsabilidade, horários, tudo isso você aprendeu bem. Mas acho que nós três ainda não somos totalmente maduras pra relacionamentos afetivos. – Brenda analisou.
- Eu não me acho assim sem maturidade pra relacionamentos. Tô tomando cuidado com o meu com o Allan. Eu sei como fazer pra não me ferir nem ferir o outro. - Alessandra defendeu-se
- Desculpa, Lessandra, mas você já imaginou se ele neste momento não pode estar com outra? – Brenda intuiu
- Se estiver, azar! – Alessandra disse como se não se importasse, mas no íntimo deve ter se incomodado ao admitir a hipótese.
- Gente uma relação bem construída não pode se basear nesta frieza, neste medo de não se envolver, nesta distância. – Brenda continuou argumentando.
- Mas eu não gosto tanto assim dele. Não quero viver grudada nele. – Alessandra contra-argumentou
- Você tem medo de gostar de verdade. Você tá usando o cara e ele a você. – Brenda foi mais profunda em sua análise
- Ah, Brenda, não quero pensar nisso agora, não. Por que eu vou gostar? Pra sofrer? Olha só meus pais, separados depois de quase 20 anos de casamento. Tô a fim de curtir, de aproveitar a vida. – Alessandra insistiu em seu propósito
- Você pode olhar pra trás depois e se arrepender por não ter se dado a chance de ter o amor verdadeiro. – Brenda alertou
- Isso é muito bonito em romances! – Alessandra continuou discrente.
- Bom, não vou discutir. Cada um deve aprender com a sua experiência. – Brenda encerrou
- Ah, sei lá, gente...não acho que cê tenha razão Alessandra, acho que o amor existe, as pessoas é que ‘tão com medo de encontrar o amor, de viver o amor. – eu concluí.
- Eu quero ver você duas felizes, se eu falei não foi pra chatear, mas pra vocês pensarem e eu também. – Brenda sorriu para nós com sinceridade.
Pensei no que Brenda disse sobre relacionamentos naquela noite, depois que foram embora. Hoje sei o quanto foram proféticas suas palavras. Se eu tivesse refletido mais profundamente desde aquele momento, quantas coisas teriam sido diferentes na minha vida! Como Brenda já era sensata. A maior maturidade dela era justamente não se achar tão madura, mas ela sempre foi a mais madura de nós três. Um exemplo que nós não soubemos seguir, indo atrás do coração e não da razão. Mas “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?” (Jeremias 17 : 9)

CAPÍTULO VIII

UM ANO DE MUDANÇAS – ALESSANDRA
1986, um ano de mudanças. Engraçado, 86, o inverso de 68, o ano que eu, Brenda e Carla nascemos. Nossas vidas mudaram muito naquele ano, mas o país também. O bendito plano cruzado do presidente Sarney. Tudo parecia mais barato, fui mais ao cinema, nos fins de semana saía de um e entrava noutro. Comecei a trabalhar na academia como recepcionista, já que Carla foi pra Paciência, o cargo estava vago. Uma garota ficou um tempo, mas não deu certo, não sei se foi demitida ou arranjou coisa melhor. Alberto, o amigo de meu pai e dono da academia sempre foi muito legal e ofereceu-me o emprego. Disse que queria alguém de confiança. Fiquei inicialmente em meio período. A faculdade era mais uma novidade, o trote foi até light – termo que não usávamos na época – uma aluna mais velha se fez passar por professora. Nos primeiros dias achei meio chato, mas depois reencontrei antigas colegas de colégio e comecei a me ambientar, formando minha turma particular. Ia de carona com minha mãe e voltava sempre com a Danielle, uma colega. Em breve eu faria minha auto-escola e meu pai me daria um carro. Eu sentia a falta dele. Ficava tanto tempo sem aparecer. Ligava pouco. Como tudo mudou.
Meus relacionamentos anteriores, foram coisas sem importância. Eu era a típica garota de Ipanema, inclusive na mentalidade. Enquanto minhas amigas Brenda e Carla se preservavam eu era a favor das experiências. Se eu soubesse naquele tempo o que sei agora... Mas a gente se contamina com os pensamentos que o mundo dita, quer se inserir no grupo que considera o certo. A geração 80 era muito mais liberada do que a da década anterior e eu não ia ficar atrás. Já não era pura desde os 16. Foi num camping pro qual Brenda e Carla não foram. Carla era mais presa e os pais não deixaram e Brenda não foi por decisão própria. Não importa falar quem foi e só me confidenciei com minhas amigas inseparáveis. Aconteceu. É a justificativa que todos damos. Aconteceu, nada! Eu quis que acontecesse, fiquei na cola do garoto, aticei e claro que sabia que ele ia querer provar que era homem, não ia ficar pra trás. Eu na época achei que comecei tarde, foi no verão de 85. Eu achava que não deveria permanecer pura até os 17. Teria que ser antes. Assim foi e como não se volta atrás, não poderia pegar a máquina do tempo “DE VOLTA PRO FUTURO”, aliás, título de um filme que assisti com Brenda e Carla. A vida não é absolutamente como nos filmes. É muito mais dramática. A minha seguia um curso normal, mas não nego a falta que me fazia um pai mais presente. Comecei a aceitar convites de rapazes, às vezes com mais uma turma, uma amiga ia com o namorado. Um rapaz que me chamava muito pra sair com a turma era o Allan. Alto, moreno, freqüentador assíduo da academia e surfista. A primeira vez que o vi, senti meu coração pular. Foi atração à primeira vista, não amor. Um sentimento um pouco mais intenso do que tive por outros rapazes. A gente começou a se conhecer, conversar, sair juntos, só nós dois. Íamos a bares, danceterias, músicas agitadas e lentas e daí num contato maior, rolou um beijo e do beijo o namoro e do namoro inevitavelmente o que todos os namorados faziam e como eu já não tinha nada a perder, fomos para o local adequado. Uma dentre tantas coincidências que a vida reserva ocorreu. Quem estava entrando também de carro, no mesmo lugar? Meu pai. O clima pesou, meu pai me fuzilava com o olhar. Allan a princípio não entendeu, mas eu logo disse:
- É meu pai, peraí.
Fui até meu pai e tentei conversar com ele.
- Eu não acredito! – ele falou alto
- Fala baixo, pai.
- Nunca poderia imaginar que encontraria minha filha aqui.
- E nem eu poderia imaginar que o meu pai um dia pudesse se separar da minha mãe, do jeito triste que foi. – falei baixo. Senti que ele ficou quebrado.
Os planos foram alterados. Saímos todos de lá e fomos prum bar pra conversar. Meu pai pediu que a moça que estava com ele esperasse no carro. Allan seguiu comigo e também ficou esperando no carro dele. Conversei com meu pai.
- Você mandou bem pesado hein, filha?
- Não foi pra te agredir, simplesmente disse a verdade.
- É...
- Você não aparece e a gente tinha que se encontrar assim?
- Isso não foi um encontro, foi uma triste constatação.
- Como assim?
- Constatei que minha menina, já é uma mulher.
- Há mais de um ano. Antes de fazer 17.
- Agora uma nova constatação: não conheço minha filha.
- Você nunca imaginou pai?
- Eu sei que as meninas hoje em dia começam cedo, mas nunca pensei que...
- Que com a sua filha pudesse ser assim também.
Meu pai custou a aceitar, mas o que fazer? O que dizer? Hoje eu gostaria de voltar atrás, sei que teria sido mais feliz. Aquela velha história: a carne é fraca. As mesmas justificativas, as frases feitas e as consequências que todos nós sofremos. Infelizmente, apesar de não ter rolado nada naquele dia, meu pai seguiu o rumo com a moça que estava e eu saí e fiquei conversando um pouco mais com Allan, que demonstrava mais a decepção de não ter acontecido. Eu me desculpei sem nem me tocar que numa relação o mais importante era uma compreensão mútua. Eu não o amava, tinha atração. Minha vontade era igual à dele. É claro que o desejo de transar esfriou naquele dia, mas não em outras oportunidades. Eu estava quente pro desejo, mas fria para o verdadeiro amor. Este, eu custei muito a encontrar. Estava se cumprindo na minha vida a palavra: E, por se multiplicar a iniqüidade, o amor de muitos esfriará. (Mateus 24: 12)

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

CAPÍTULO VII

DEPOIS DA ADAPTAÇÃO, O REENCONTRO – BRENDA
As coisas começavam a melhorar. Meu pai investiu um dinheiro numa micro-empresa de artigos variados. Um pouco de tudo. Um primo, Otávio, estava querendo uma pessoa de confiança e dividiu os gastos com ele. A loja foi batizada de MULTI-ÚTIL, pois vendia de tudo que fosse utilidade para o lar: relógios de parede, pequenos, maquininhas fotográficas, lâmpadas, líquidos de limpeza para vídeos, artigos de limpeza, caixinhas, clips de plástico coloridos. Lá começou a ser meu pequeno paraíso, pois eu usava o telefone para falar com Alessandra e Carla, além de ajudar. Tomei uma decisão: tranquei a faculdade por aquele semestre até as finanças se estabilizarem. Meu pai a princípio não gostou, mas expliquei que mesmo a faculdade sendo gratuita, envolvia gastos e era melhor eu guardar um pouco mais de dinheiro.
Fiquei sendo uma faz tudo. Minha mãe se divertia com minha estabanação inicial, meu pai também. Estávamos bem, apesar da mudança de bairro, de zona, a Penha passou a ser mais atraente. Aprendi a lidar com o público, atendia sempre com simpatia, fazia propaganda dos utensílios e modéstia à parte, ninguém saía sem ter passado por mim sem comprar. Alguns clientes começaram a vir mais pra conversar comigo e mesmo assim, sempre se lembravam de levar alguma coisa.
Depois de mais de dois meses de adaptação e de separação, finalmente um feriado pra rever minhas almas gêmeas! Que saudades! Quantas novidades pra contar, pra ouvir. Marcamos o encontro na porta do prédio de Alessandra. Cheguei e fiquei a olhar com nostalgia. Quantas lembranças, quantos bons momentos passamos descendo e subindo naquele prédio. Quantas confissões, quantos desejos compartilhados. Agora íamos nos ver depois de um tempo que parecia uma eternidade. Interfonei e Alessandra desceu. Abracei-a daquele jeito apertado como quem sufoca a pessoa de tão sufocado que está pela falta que sente dela. Esperamos Carla que demorou um pouco. Eu e Alessandra ficamos de papo, ela disse que tudo estava calmo, já havia falado com o pai. Ela o veria regularmente e sua mãe estava bem, voltou a fotografar em festas, casamentos e ganhou dinheiro também fazendo fotos de paisagens pra revistas. Carla chegou. Abraço a três. Quanta emoção, como a gente chorou! De saudade, de alegria. Curtimos demais aquele sol de outono com restos de verão.
- Gente, que saudade de Ipa! – eu vibrava apreciando o sol, abrindo os braços naquela imensidão
- Eu também. – Carla falou com menos entusiasmo
- Pensei que você estivesse com mais dificuldade de aceitar a nova moradia. Falou tão sem entusiasmo. – Alessandra notou
- Não gente, eu tava mesmo a fim de curtir este sol, mas sabe, até que eu tô me adaptando mais rápido do que pensava. – Carla admitiu.
- Que bom, Carla! Eu tô gostando de trabalhar na loja, fiquei feliz pelo meu pai ter um negócio dele, mas quando eu penso em Ipanema... Ai... dá uma saudade...
- Eu a princípio achei muito chato. Aqui tem muito mais movimento, mas as pessoas são mais chegadas lá do que aqui. – Carla comparou
- Na Penha eu diria que é um meio termo, mas a gente se conhece mais. – eu disse
- Lá em Paciência o pessoal é mais solícito. Só acho que tem uma gente assim, confiada demais, aqueles que moram ao lado já amanhecem no portão da gente. – Carla analisou os prós e contra
- Tudo tem seu preço. – eu disse. – Eu tô feliz com a minha clientela. Tô fazendo sucesso.
- Pois é, né, “Garota da Penha!” – Alessandra brincou
- E eu agora sou a “Garota de Paciência!” – Carla aproveitou o ensejo.
- Olha, não vai ficar convencida, mas acho que ‘cê deve estar sendo vista como a “poderosa” de Paciência – eu enfatizei.
- Ah, nem tanto... – ela sorriu ficando mais corada pela minha ênfase do que pelo sol, que já estava meio opaco.
- Eu acho que pro pessoal de lá você deve ser uma novidade, Carla. – Alessandra analisou.
- Não, gente, sem falsa modéstia, tem garotas lá muito bonitas, muito mais do que eu, inclusive muitas delas freqüentadoras da academia.
- Não diga que ninguém olhou pra você que eu não acredito. – Alessandra falou com um olhar malicioso
- Ah, claro que os homens olham, mas eu fico na minha. Acho que eu não encontrei ainda o verdadeiro amor. – Carla comentou, sem no entanto lamentar, simplesmente chegando a uma constatação.
- Eu também não. – Alessandra se identificou
- Nem eu. – eu por fim concordei.
- Nenhuma de nós. – Alessandra concluiu.
- Apesar de ter namorado alguns caras, a gente não sente a menor falta, né Lessandra? – Carla analisou
- Gente, eu tive alguns namorados, mas passaram. – eu lembrei.
- Estranho, a gente pouco fala deles, não tiveram realmente importância pra gente. – Alessandra afirmava, porém questionava a si própria o porquê.
- Por que será? – eu então também questionei
- Acho que somos muito exigentes. – Carla sintetizou
- Concordo. – eu disse
Conversamos mais sobre nós, sobre nossas mudanças de vida, nossas expectativas e chegou a hora de ir embora.
- E aí gente, vamos voltar amanhã? – eu sugeri
- Querida, tá esquecendo que vou trabalhar? – Carla lembrou
- Ai! – bati na cabeça rindo como que refrescando a memória.
- Doces tempos de escola, dos “enforcamentos” de feriados. – Alessandra falou saudosa.
- É mesmo, eu também...meu pai até me liberaria da loja, mas Assim que der repetimos a dose. – eu resolvi, deixando pra lá qualquer lamentação.
Fomos pro ponto e Carla esperou um ônibus pro Centro, pra depois pegar outro pra Santa Cruz, que passava antes por Paciência. Ela ainda mantinha alto seu ibope, pois um rapaz sentado num banquinho de pedra também esperando ônibus ofereceu pra ela o lugar. Despedimo-nos de Carla e Alessandra insistiu que eu comesse em sua casa. Ofereceu antes à Carla que não aceitou devido ao trajeto mais longo, pois queria chegar cedo ainda em casa. Matei as saudades de todos, encontrei pessoas conhecidas do prédio. Depois fui à pé até Copacabana com Alessandra que fez questão de ir comigo, pra pegar um ônibus só pra Penha. Despedimo-nos e ficamos de nos ver em breve.
Duas semanas depois, estava eu chegando em casa sem pensar em nada. A maior parte do tempo naquele dia eu fiquei na loja. Meu pai disse que tinha muito movimento, entrava e saía muito apressado. Papai disse que mamãe estava fazendo uma faxina completa e que eu almoçasse na pensão ao lado. Ao abrir a porta encontrei tudo escuro. De repente, acendem as luzes e o que vejo: a sala ornamentada um bolo enorme e Alessandra, sua mãe, Carla e seus pais cantando os parabéns pra você. Eu não sabia se chorava ou se sorria. Jacyra ajudou minha mãe a fazer tudo. Foi o aniversário mais maravilhoso que tive. Pena que durou pouco, pois todos iam pra longe. Lúcia estava de carro e fez questão de levar Carla e seus pais para casa.
- Agora vocês é que me devem uma visita lá em Paciência. – Carla cobrou antes de ir
- É seu aniversário tá chegando. – lembrei
- O meu é em julho, hein? – Alessandra apressou-se em lembrar-nos.
Mais uma despedida, mais abraços e algumas lágrimas derramadas, mas em breve estaríamos novamente juntas.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

CAPÍTULO VI

MINHA ADAPTAÇÃO – CARLA
Claro que cheguei emburrada. Eu, uma garota de 17 anos que tirava a maior onda de garota de Ipanema, agora era rebaixada a garota de Paciência. E pior que eu não tinha a noção de que era melhoria de vida. Na minha cabecinha sonhadora, isso era ser Cinderela às avessas. Dizem que as mulheres amadurecem antes dos homens, mas hoje vejo como eu era imatura. No primeiro fim de semana eu decidi: vou visitar Alessandra. Mas quem disse que eu consegui?
- Não minha filha. Tenho encomenda pra duas festas. Você vai me ajudar. Quer moleza? Senta no pudim! – minha mãe repreendeu.
- Que saco! – falei baixo pra ela não ouvir, se não ia chegar outra oportunidade e ela não ia me deixar ir. Foi assim que passei meu primeiro fim de semana em Paciência, na cozinha. No início da semana fui procurar emprego. Minha faculdade era à noite e eu queria começar a trabalhar antes. Deixei um currículo numa academia do outro lado da linha do trem e como referências as mães de Alessandra e Brenda, seus telefones. Em três dias eu era chamada. Ajudou bastante a aliviar minha tristeza. Estava empregada como recepcionista e podia fazer ginástica de graça. Só tinha um inconveniente: trabalhava sábado até às 13:00. O que me animou foi ter meu salário, bem menor do que numa academia em Ipanema, mas também não teria que gastar passagem, poderia passear, bancar meu cinema de fim de semana. Assim foi meu primeiro mês. O reencontro com minhas queridas Alessandra e Brenda ainda custou um pouquinho mais a acontecer. Brenda também tava procurando emprego e Alessandra já tava trabalhando na academia perto de casa. Falávamos por telefone, mas não era a mesma coisa. Como eu sentia falta delas! Aos poucos fui me enturmando, embora não fosse a princípio muito fácil. Os hábitos da Zona Oeste são muito diferentes. Os vizinhos entravam e saíam da casa da gente umas 5 vezes ao dia. Chegava a me irritar com isso. Falta de privacidade. Meu quarto era bem maior, não um cantinho como eu tinha em Ipanema, mas a praia... Doce praia de Ipanema onde eu e Alessandra arrasávamos. Quantos pretendentes. Meus namoros não haviam sido muito sérios e eu tava sozinha há tanto tempo. Notei que nos primeiros dias em Paciência, um garoto bonitinho tava de olho em mim. Felipe, filho de uma vizinha. Era bem branquinho, pouco mais baixo que eu, magro, cabelinho castanho claro. Mas eu fiquei na minha. Ainda mais quando soube que ele só tinha 16 pra 17 anos. Acho que não levava muito a sério os namoros porque achava os garotões de Ipanema muito metidos, cheios de si. Eu enjoava logo. Saía com eles e queriam tomar de cara umas confianças... Além do mais, meus pais só admitiam que eu saísse também com Alessandra e Brenda. Elas limparam muito as barras pra mim, mas eu não deixava que nenhum cara avançasse o sinal. Os homens mais maduros sempre me encantaram mais, só que não me dariam confiança. Então eu tinha meus amores platônicos, que só apreciava à distância. Em Paciência comecei a me sentir mais dona do pedaço. Mesmo com exceções, muitas madames de Ipanema torciam os narizes pra mim por saberem que eu era filha de porteiro e de doméstica. Na Zona Oeste tem um pouco mais de igualdade de classes. As casas de Paciência, apesar de antigas, também são bonitas e muitas estão lá até hoje, neste aspecto o bairro não mudou muito. A varanda da nossa era o meu canto. À noite eu ficava lá olhando a lua e foi na minha varanda que presenciei a rápida passagem do cometa Halley. Chamei meus pais pra verem, mas já havia passado e eles acharam que não era, mas sei que foi. Nos fins de semana e feriados curtia passear de bicicleta de tarde. Comecei a me familiarizar com a zona, com o bairro, com as pessoas, me acostumei a viajar de trem. Só ia entrar na faculdade no outro semestre. Era no Centro.
Estava prestes a completar 18 anos. Comecei a me soltar mais. Meus pais tinham muito zelo comigo. Filha única, nascida depois de 8 anos do casamento deles. Aos poucos eu fui conseguindo sair da vigilância constante deles, fazendo os dois enxergarem que eu não era mais uma menina.
Sabia que chamava a atenção no bairro, na vizinhança e na academia.
Comecei a me sentir mais independente, embora soubesse que não o era totalmente. Daí começou minha transformação, que na época eu pensava que seria pra melhor.

domingo, 25 de outubro de 2009

CAPÍTULO V

SOZINHA NA PRAIA – ALESSANDRA
Pode isso? Tá acontecendo comigo? Eu pensava deitada na minha canga banhada por aquele sol abrasador. Triplamente arrasada, sem meu pai, sentindo a falta dele apesar de não ter quase lhe dirigido a palavra quando ele saiu. Séria, calada, ia à praia como num gesto mecânico ia e voltava da água, deitava, recebia os raios de sol de olhos fechados e meu desejo era que os abrisse e visse Brenda e Carla ao meu lado. Que angústia! Carla foi embora antes de Brenda, que depois daquela fatídica manhã ainda ficou um mês. No mesmo dia que chegou, ligou de um orelhão. Tinha telefone em casa, mas a mudança estava tão confusa que achou melhor ligar da rua. Brenda ainda estava sem telefone. A casa da Penha estava fechada há mais de três mêses aguardando um locatário e diante da demissão do pai dela, a única saída era mesmo ocupar o imóvel. Mesmo morando bem, curtindo a praia eu sofria perdas. Aquela praia naquela manhã representava minha solidão. Nada tinha graça pra mim. Sentia-me sozinha na praia, por que fui sozinha. Ninguém que eu encontrasse, fosse o maior gato, alguma outra amiga de colégio ou da academia preencheria o vazio deixado pelas minhas almas gêmeas, minhas queridas Brenda e Carla. Ao meio dia levantei e enrolei-me na canga vermelha e um moreno alto, até bonito, me pareceu um monstrengo pela sua cantada vulgar:
- Me empresta esta canga, lourinha, sou um toureiro.
- Palhaço! Sai da minha frente!
Cheguei em casa e minha mãe falou:
- Brenda ligou. Pediu desculpas por ter demorado tanto a ligar outra vez, mas ela tava morta arrumando o quarto, limpando, comendo poeira. Disse que assim que puder vem aqui. Senti muita tristeza na voz dela. Disse que Carla ligou pra ela também logo que chegou a Paciência.
- Pôxa... E eu naquele sol, só pensando nela e na Carla...
- Vocês vão logo matar as saudades. Eu sei o que você tá sentindo, também tive amigas que foram morar longe.
- Mãe, elas não são só amigas, elas são parte de mim, mais que irmãs.
- Eu sei filha.
- As coisas vão mudar um pouco pra gente, né? – perguntei tentando me preparar para algo pior, embora não pudesse haver nada pior pra mim além da separação dos meus pais e a distância das minhas amadas amigas.
- Bem, nós não temos mais o aluguel dos pais da Brenda, mas deve aparecer alguém pra alugar, já tá anunciado.
- Meu pai não vai querer vender este apartamento ou alugar?
- Não filha, ele pensou em você. Vai deixar o imóvel no seu nome em usufruto meu. Até foi generoso. Disse que assim que resolver todas as questões legais vai ficar mais um pouco na casa dos seus avós e procurar um apartamento pra ele.
- Por que isso tinha que acontecer...
- Isso acontece com várias pessoas a todo o momento.
- Eu sei, mas logo com a gente?
- Alessandra, você acha que a Brenda e Carla não estão se perguntando também por que tinham que mudar de vida de repente?
- Meu problema foi pior.
- Elas não sofreram uma separação na família, mas não esperavam um dia chegar em casa e saber que não iam morar mais em Ipanema. Num aspecto você está melhor do que elas: vai continuar morando no mesmo lugar. Seu pai continua muito bem financeiramente, você vai cursar a faculdade, em breve vai ter seu carro. Suas amigas, meu bem, não tem papai que banque tudo. Até eu vou voltar a trabalhar como free-lance. Vou espalhar fotos pras revistas, pras agências, pra não depender só do seu pai. A vida continua e ninguém morreu.
- Eu me sinto de luto.
- Ai, Alessandra, como você é dramática, minha filha! Olha, toma um banho, lava suas madeixas, a gente pode sair depois.
- Prefiro ficar em casa. Quem sabe a Brenda ou a Carla não me ligam.
- Elas só não convidaram você ainda, porque devem estar muito ocupadas. Quando estiver com a Brenda também procure dar força à ela. Ela é muito solidária na dor, compreendeu sua tristeza pela separação de seus pais melhor do que você entendeu a situação em que ela está. Ela vai começar a faculdade, conseguiu gratuita, mas tudo tem seus encargos financeiros. O pai dela foi demitido depois de anos de serviço. Já parou pra pensar no que é isso na idade dele com a crise do país? Você está sofrendo, não desmereço sua dor. Eu também tô, acha que é fácil terminar um casamento de quase 20 anos? Só que eu sei quem sou: sou Lúcia, posso superar as dores e ir em frente e sei que o mundo não é feito só de Lúcia, como não é feito só de Alessandra. Suas amigas assim que souberam o que houve com você procuraram te dar o maior apoio e os problemas delas passaram a nem existir mais. Nunca se esqueça disso. Elas te amam.
Tomei banho, fui pro quarto e durante um bom tempo pensei no que minha mãe disse e senti vergonha de achar que era a garota mais infeliz do mundo.

sábado, 24 de outubro de 2009

CAPÍTULO IV

REUNIÃO – BRENDA
Nunca terei palavras para descrever o que significou para mim aquele dia. Que minha vida passaria por um novo ciclo eu sabia, mas não poderia imaginar que seria daquele jeito. Interfonei para Alessandra e Carla e nos encontramos no play. Estávamos angustiadas. Uma lia no rosto da outra o sofrimento. Falamos numa só voz:
- ‘Cê não imagina o que aconteceu!!
- Ai!! – falamos as três juntas novamente.
- Calma gente! – interrompi procurando colocar ordem. ‘Lessandra, fala você primeiro. Tô vendo que de nós você foi a que mais chorou.
- Duvido que ela esteja com algum problema maior do que o meu! – Carla protestou.
- Para, Carla, ela já tá quase chorando outra vez! – exigi.
Alessandra estava mesmo a mais angustiada. Apesar de ter demonstrado antes um sentimento de inveja por sua condição financeira, me arrependi muito. Senti que deveria dar apoio à minha amiga e esperava que Carla também o fizesse. Cheguei carinhosamente perto de Alessandra abraçando-a e ela chorando se jogou nos meus braços. Carla chegou perto de nós, se solidarizando.
- Gente... – Alessandra tentou falar. Os soluços embargavam sua voz. Ela chorou um pouco mais e depois de respirar fundo, finalmente disse:
- Meus pais vão se separar... – e recomeçou o choro
Uma angústia maior tomou conta de mim. Eu tinha que contar que haveria mais uma separação. Ao mesmo tempo, pensava: “Qual é a bomba da Carla?” Ela disse que Alessandra não estava com um problema maior do que o seu. Porém, vi Carla tão solidária que logo percebi que não era algo tão grave.
- Chora Lessandra... – consolei.
Depois daquele primeiro impacto e de mais alguns momentos de solidariedade, conseguimos dar prosseguimento à nossa reunião e eu contei meu problema e em seguida Carla contou o seu. Novo vale de lágrimas. Passávamos por uma avalanche e cada uma sentia-se na obrigação de carregar o peso da outra, se bem que Alessandra estava com o problema pior. Senti-me mais madura diante da situação dela e meu problema não parecia tão grande comparado a quem via sua família terminar. Meus pais sempre foram unidos, minha mãe sempre apoiou meu pai. O mais doloroso é que eu, Alessandra e Carla, éramos uma família se desintegrando. Três meninas de 17 anos, filhas únicas, criadas como irmãs vivendo uma separação. Para Alessandra era uma tripla separação. Pensava contar com nossa presença nos próximos anos de sua vida e, no entanto, em um mês estávamos nos separando. Naquela tarde depois de dividir nossas tristezas, unimo-nos num abraço a três, apertado e longo.
- Nós vamos nos separar fisicamente, mas nossas vidas estão eternamente entrelaçadas. – eu disse. Unimos nossas mãos e cada uma beijou a da outra.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

CAPÍTULO III

CAPÍTULO III
MEMÓRIAS DE ALESSANDRA
Quem poderia pensar que um dia de sol poderia acabar daquele jeito? Eu era a última a pensar isso. Antes de abrir a porta de casa, reparei os tons alterados de voz. Minha mãe discutindo com meu pai. Não que fosse a primeira vez, mas aquela briga parecia definitiva.
- Pra mim chega Osvaldo! Tô cheia! Não fico mais no mesmo teto que você, sai daqui agora!
- O que você tá pensando? Acha que pode me expulsar daqui assim?
- Posso, tanto posso que tenho provas. Aqui, tá teu flagrante de adultério!
Minha mãe exibiu uma foto grande do meu pai aos beijos com outra.
- Isto só pode ser fotomontagem!
- Ah! Não vem com essa! Eu tirei a foto, tá?! Esqueceu onde você me conheceu?
Meu pai subestimou minha mãe. Os dois se conheceram numa festa onde ela era fotógrafa. Ele não tinha como negar. Eu também queria que não fôsse verdade, mas os dois iam se separar. Embora eu não acreditasse em fidelidade, a última coisa que eu desejava era que meus pais se separassem. Pensei que nosso nível de vida poderia cair, mas meu pai era um empresário bem sucedido. Nosso apartamento era próprio, nossa condição financeira, ótima. Não consegui dizer nada, fiquei em estado de choque. Os dois ficaram paralisados quando notaram minha presença.
- Minha filha... – meu pai tentou falar comigo.
- Me deixa!!! – foi o que consegui dizer depois de cair num choro compulsivo e correr pro meu quarto me atirando na cama. Chorei durante meia hora. Olhei-me no espelho e meus olhos azuis pareciam dilatados de tanto choro. Reagi aos poucos, tomei um banho, depois penteei minhas longas madeixas loiras, mais claras pelo sol e fiquei em silêncio.
A partir daquele momento passei a entender que minha vida era uma tremenda ilusão. Eu era infeliz e não sabia. Minha mãe tentou falar comigo, mas eu pedi um tempo. O que mais queria naquele momento era jogar-me nos braços de Brenda e Carla, minhas maravilhosas amiguinhas, mais que irmãs e compartilhar com elas toda a minha dor. Hoje entendo que “É melhor um bocado seco, e com ele a tranqüilidade, do que a casa cheia de iguarias e com desavença.” (Provérbios 17: 1)

CAPÍTULO II

MEMÓRIAS DE CARLA
Fiquei logo com uma cor. Herança étnica de família que tem mistura de índios, negros. Eu me “achava”, era mais uma garota de Ipanema. Naquele dia eu festejava com minhas amigas Brenda e Alessandra a passagem para a vida quase adulta. Tínhamos 17 pra 18 anos. Eu, com meu corpo violão, sempre malhando com Alessandra, sabia que despertava a cobiça de muitos garotões de Ipanema. Eu namorava e esnobava. Mas naquele dia, curiosamente nós três estávamos sozinhas. Parece que foi pra não sentir uma perda maior. Tudo era maravilhoso naquele dia de sol. Mas nem sempre tudo é como esperamos. Cheguei em casa e meu pai que estava no horário do almoço, falou:
- Filha, sua avó faleceu.
- Pai... Ela tava muito doente. Tô triste, mas já esperava.
- Eu também. Pelo menos deixou a casa. Ela e seu avô trabalharam muito e puderam deixar pra gente morar. Agora que tô me aposentando, vamos morar lá.
- Quando pai?! – perguntei assustada
- Assim que eu ajeitar todos os documentos. Deve dar menos de um mês.
- Pai! Eu nasci e fui criada em Ipanema, vou pra zona Oeste?!
- Vai! Só por que nasceu em Ipanema é melhor do que os outros?
- Pôxa pai! Minhas amigas moram aqui. Vou morar longe da Alessandra e da Brenda!
- Elas vão lá quando quiserem.
- Mamãe vai sair da casa da Alessandra?
- Ela vai passar a fazer salgados e doces pra festas lá.
- Pai, eu ia começar a trabalhar numa academia aqui. Passei pra faculdade.
- Lá você encontra trabalho também minha filha! Pode fazer faculdade e trabalhar, a gente dá um jeito. Mania de ver problema em tudo!
Fui pro meu quarto e chorei muito. O mundo estava acabando. Mas depois pensei que meu pai poderia ter razão. Ele já tinha trabalhado tanto tempo, minha mãe também. Eu já havia ido tantas vezes à casa da minha avó em Paciência e lá não era tão ruim. Lembrei de uma vizinha do prédio contando à mãe da Alessandra que quando o marido separou-se dela, disse com raiva que ela não moraria em Ipanema, mas sim em Paciência, considerando o lugar o fim do mundo. Minha maior tristeza era saber que não ia acordar e descer pro apartamento da Alessandra, depois pro da Brenda e iríamos juntas pra praia. O fim de um ciclo em minha vida. Olhei-me no espelho e vi meus olhos grandes e negros vermelhos de chorar, meus cabelos pretos e cacheados até os ombros embaraçados e pensei que era hora de tomar um banho, tirar a areia da praia e me preparar pros meus últimos dias de verão em Ipanema. Sabia que ia levar algum tempo pra me acostumar, mas hoje eu sei que “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu.” (Eclesiastes 3: 1)

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

VIDAS SEPARADAS

CAPÍTULO I
MEMÓRIAS DE BRENDA
Numa manhã de sol início do ano de 1986, lá estávamos nós curtindo aquela praia de Ipanema. Sentadas nas nossas cangas, fazíamos planos despreocupadamente.
- Ai, gente, até que enfim acabou aquela neurose de vestibular. – eu dizia aliviada.
- É... Foi mais fácil do que eu pensava – Alessandra comentava
- Pra mim foi regular. – Carla que era mais estudiosa também fez o vestibular para educação física como Alessandra. Eu, Brenda, optei por pedagogia. Sempre gostei de crianças.
- Você é que tem sorte, Alessandra. Papai que pode te dar um imóvel pra começar! – eu falava em tom de brincadeira, mas acho que mesmo que inconscientemente a invejava.
- No meu caso eu não diria que foi sorte, mas foi fruto de uma amizade. – Carla já tinha um trabalho garantido antes de começar a faculdade. Ia trabalhar na academia de um amigo do pai de Alessandra como recepcionista.
Fomos criadas juntas. Como três irmãs. Carla era filha do porteiro, Valdemar e sua mãe, Jacyra, cuidava de Alessandra desde os 5 meses. Éramos como uma família. Mais que irmãs, confidenciando-nos e falando de nossos sonhos. Sonhos... O dia que li a passagem: “O coração do homem planeja o seu caminho, mas o SENHOR lhe dirige os passos.” (Provérbios 16: 9), pude entender a profundidade da mensagem escrita nela, mas naquele frescor dos meus 17 anos, o que eu entendia?
Agora estou aqui, escrevendo no blog minhas memórias, renovando as lembranças, voltando atrás depois de muitos outros diários escritos e trazendo mais presente junto com mais passado e futuro. Interessante esta mistura das lembranças. A gente vive, revive, encontra, reencontra e passa tudo pras memórias. Que coisa rica é a vida, ainda mais quando a gente descobre o verdadeiro sentido dela.
Naquele dia de sol, nos sentíamos no paraíso. Apreciávamos tudo. Os rapazes bonitos, as crianças brincando.
- Gente tem coisa melhor do este praião de Ipanema? – eu comentava extasiada. Uma etapa cumprida na minha vida, uma futura universitária. Nós três conseguimos passar pra faculdades do governo. Alessandra e Carla iam cursar educação física em faculdades diferentes. Carla passou pro segundo semestre. Tudo parecia perfeito. Eu achava que por merecimento, pois sei o quanto ralei. Estudávamos sempre juntas, ficávamos até altas horas decorando as matérias, inventando até musiquinhas pra fixar. Sempre estudamos juntas. Eu tinha meia bolsa, Carla, bolsa integral e Alessandra, as facilidades da vida de classe média alta.
Ficamos na praia até o meio dia. Despedi-me das meninas e fui pra casa. Meus pais, Luís e Noêmia, alugavam o apartamento dos pais de Alessandra desde que nasci. Pra minha surpresa, meu pai estava em casa. Minha mãe trabalhava num cartório.
- Pai... Que houve? Você aqui a esta hora?
- Filhinha nós precisamos conversar.
Gelei por dentro. Meu pai tava tão sério. Eu sentei logo pra não cair. Ele começou a falar:
- Fui demitido filha. Vou ter uma boa indenização, mas não vamos poder continuar morando aqui.
- Pai...‘cê tá brincando!
- Gostaria de estar, mas isso é muito sério.
- Não, desculpa, eu sei... Mas... E agora? Pai, pra onde a gente vai?
- Pra casa da Penha.
- Na Penha, pai?! Não... Isso não tá acontecendo! Vou começar a faculdade...
- Vai poder cursar. Você não entende que este sacrifício é por você?
- Mas pai, minha vida tá toda aqui em Ipanema! Minhas amigas. Vou morar longe da Alessandra, da Carla!
- Elas vão poder visitar a gente, filha.
- Não tem como diminuir o preço do aluguel? Vocês são amigos!
- Minha filha, amigos, amigos, negócios à parte! O aluguel já está muito em conta sendo dois quartos em Ipanema!
- Ai, não... Eu não acredito... Eu tô “pesadelando!”
E assim acabava aquele dia de sol. No exato momento em que eu entrava naquele apartamento de dois quartos desabava uma tempestade sobre mim. Entrei no quarto e vi minha imagem refletida no espelho. Aquela graciosa menina de 17 anos, cabelinho castanho escuro cortado quase reco, num estilo meio punk, a face muito branca, meio rosada pelo sol, viria não mais a ser a garota de Ipanema, mas a garota da Penha.