quarta-feira, 28 de outubro de 2009

CAPÍTULO VI

MINHA ADAPTAÇÃO – CARLA
Claro que cheguei emburrada. Eu, uma garota de 17 anos que tirava a maior onda de garota de Ipanema, agora era rebaixada a garota de Paciência. E pior que eu não tinha a noção de que era melhoria de vida. Na minha cabecinha sonhadora, isso era ser Cinderela às avessas. Dizem que as mulheres amadurecem antes dos homens, mas hoje vejo como eu era imatura. No primeiro fim de semana eu decidi: vou visitar Alessandra. Mas quem disse que eu consegui?
- Não minha filha. Tenho encomenda pra duas festas. Você vai me ajudar. Quer moleza? Senta no pudim! – minha mãe repreendeu.
- Que saco! – falei baixo pra ela não ouvir, se não ia chegar outra oportunidade e ela não ia me deixar ir. Foi assim que passei meu primeiro fim de semana em Paciência, na cozinha. No início da semana fui procurar emprego. Minha faculdade era à noite e eu queria começar a trabalhar antes. Deixei um currículo numa academia do outro lado da linha do trem e como referências as mães de Alessandra e Brenda, seus telefones. Em três dias eu era chamada. Ajudou bastante a aliviar minha tristeza. Estava empregada como recepcionista e podia fazer ginástica de graça. Só tinha um inconveniente: trabalhava sábado até às 13:00. O que me animou foi ter meu salário, bem menor do que numa academia em Ipanema, mas também não teria que gastar passagem, poderia passear, bancar meu cinema de fim de semana. Assim foi meu primeiro mês. O reencontro com minhas queridas Alessandra e Brenda ainda custou um pouquinho mais a acontecer. Brenda também tava procurando emprego e Alessandra já tava trabalhando na academia perto de casa. Falávamos por telefone, mas não era a mesma coisa. Como eu sentia falta delas! Aos poucos fui me enturmando, embora não fosse a princípio muito fácil. Os hábitos da Zona Oeste são muito diferentes. Os vizinhos entravam e saíam da casa da gente umas 5 vezes ao dia. Chegava a me irritar com isso. Falta de privacidade. Meu quarto era bem maior, não um cantinho como eu tinha em Ipanema, mas a praia... Doce praia de Ipanema onde eu e Alessandra arrasávamos. Quantos pretendentes. Meus namoros não haviam sido muito sérios e eu tava sozinha há tanto tempo. Notei que nos primeiros dias em Paciência, um garoto bonitinho tava de olho em mim. Felipe, filho de uma vizinha. Era bem branquinho, pouco mais baixo que eu, magro, cabelinho castanho claro. Mas eu fiquei na minha. Ainda mais quando soube que ele só tinha 16 pra 17 anos. Acho que não levava muito a sério os namoros porque achava os garotões de Ipanema muito metidos, cheios de si. Eu enjoava logo. Saía com eles e queriam tomar de cara umas confianças... Além do mais, meus pais só admitiam que eu saísse também com Alessandra e Brenda. Elas limparam muito as barras pra mim, mas eu não deixava que nenhum cara avançasse o sinal. Os homens mais maduros sempre me encantaram mais, só que não me dariam confiança. Então eu tinha meus amores platônicos, que só apreciava à distância. Em Paciência comecei a me sentir mais dona do pedaço. Mesmo com exceções, muitas madames de Ipanema torciam os narizes pra mim por saberem que eu era filha de porteiro e de doméstica. Na Zona Oeste tem um pouco mais de igualdade de classes. As casas de Paciência, apesar de antigas, também são bonitas e muitas estão lá até hoje, neste aspecto o bairro não mudou muito. A varanda da nossa era o meu canto. À noite eu ficava lá olhando a lua e foi na minha varanda que presenciei a rápida passagem do cometa Halley. Chamei meus pais pra verem, mas já havia passado e eles acharam que não era, mas sei que foi. Nos fins de semana e feriados curtia passear de bicicleta de tarde. Comecei a me familiarizar com a zona, com o bairro, com as pessoas, me acostumei a viajar de trem. Só ia entrar na faculdade no outro semestre. Era no Centro.
Estava prestes a completar 18 anos. Comecei a me soltar mais. Meus pais tinham muito zelo comigo. Filha única, nascida depois de 8 anos do casamento deles. Aos poucos eu fui conseguindo sair da vigilância constante deles, fazendo os dois enxergarem que eu não era mais uma menina.
Sabia que chamava a atenção no bairro, na vizinhança e na academia.
Comecei a me sentir mais independente, embora soubesse que não o era totalmente. Daí começou minha transformação, que na época eu pensava que seria pra melhor.

6 comentários:

  1. Mudar é tão difícil. Mas, o tempo vai ajudando.

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  2. O tempo ajuda a mudança geográfica e outras também.

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  3. mudanças, dores, sofrimentos, o tempo que quando bem aplicado nos faz crescer e curar as feridas.... do corpo e da alma!
    13 de janeiro de 2010 1:30

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  4. To gostando mais sinto falta dos versiculos. Eles dão um bom complemento ao texto.

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  5. Tá simplesmente lindo!!! Mas como a irmazinha Dê* comentou, tbem sinto falta dos versículos. Abraço, vou continuar...

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  6. Muito bom!! a maturidade e as responsabilidades... humm por que vc escolheu personagens femininos? a grande maioria dos autores homens faz isso... acho que vou tentar o inverso, em meu próximo livro tbm.

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