SOB O DOMÍNIO DO DESEJO – CARLA
No dia primeiro de janeiro, Alessandra levou-me para casa e a gente conversou mais abertamente durante o caminho sobre tudo o que aconteceu naquela virada do ano. Sentia-me mais livre para falar com ela do que com Brenda. É como se eu quisesse uma aprovação pro meu erro. Apesar disso, sabia que mesmo que ela me apoiasse a ter uma relação ilícita não deixaria nunca de me alertar. Ela podia até cometer erros, mas queria o meu bem, talvez mais do que o seu próprio. Brenda sempre foi a mais sensata e no momento que eu mais deveria ter recorrido à essa sua qualidade, foi o que mais me afastei dela. Como me arrependi, como sofri. Naquele tempo eu ainda acreditava que ano novo era sinônimo de vida nova. Hoje minha conotação é muito mais ampla. A cada dia a gente está se renovando. Eu era uma garota cheia de sonhos. Mas começava a ver que não poderia controlá-los. Foi tudo tão inesperado e rápido. Em parte eu me culpava, lembrava do que Brenda disse, sobre as conseqüências do meu ato. Pintou uma insegurança total. Eu pensei: “Agora que o Marcos conseguiu o que queria, vai me jogar pra escanteio”. Claro que eu não queria que ele fizesse isso, mas por outro lado, mesmo já tendo acontecido uma coisa mais íntima entre nós eu achava melhor não ir adiante. Ah, se fosse fácil controlar sentimentos tão desordenados de menina moça! Quanta ilusão, quanta insegurança! Eu já tava dominada totalmente pelos meus desejos e sabia que assim que ele aparecesse na minha frente eu cederia.
Na 6ª feira, dia 02 de janeiro, estava lá eu na academia. Seu Arnaldo chegou, deu bom dia, desejou-me um feliz 87 e disse:
- Carla, como você tá de férias na faculdade, tenho um trabalho alternativo que vai garantir mais um dinheiro bom neste período.
- Ah, é? Onde?
- É num escritório no Centro. Você lembra daquele pessoal que fez fotos suas pra propaganda da academia? É lá. Eu te levo.
- Eu posso ir sozinha seu Arnaldo, o senhor não tem obrigação nenhuma de me levar.
- Mas pra mim é um prazer e eu tenho que passar por lá mesmo. No fim do expediente te levo, meu filho vai fechar a academia hoje.
- Mas é o que, seu Arnaldo?
- Olha, eles querem aproveitar você pra mais propagandas e também eventos, desfiles. Lá eles explicam melhor.
Liguei pros meus pais e eles autorizaram, pois seu Arnaldo já tinha conquistado a confiança deles. Esperei dar a hora e seu Arnaldo me levou pro Centro. Sendo pra ganhar mais dinheiro, eu não pensei muito, pois alguém poderia pegar na minha frente e o que eu mais queria era ficar cada vez menos dependente dos meus pais. Eu tinha casa, comida, roupa lavada, mas quanto mais tempo estivesse ocupada, menos tempo ficaria em casa e teria boas justificativas pra não precisar ajudar minha mãe nas encomendas dela, me faria respeitar mais. Eu queria mesmo era abraçar o mundo com as pernas. O mundo...o enganoso mundo. Eu estava ansiosa. Chegamos ao escritório. Seu Arnaldo subiu lá comigo e me apresentou ao pessoal. Alguns eu já conhecia antes quando fiz as primeiras fotos pra propaganda. Eles mostraram outras fotos que eu ainda não tinha visto. Fiquei fascinada com a possibilidade de em pouco tempo juntar mais dinheiro.
- Eu tô voltando daqui pra Paciência, mas não se preocupe que você vai ter carona pra casa. – seu Arnaldo avisou
- Tá seu Arnaldo, ‘brigada. – agradeci sem jeito, pois pensei que ele me traria de volta.
Continuei conversando com um dos sócios da empresa de propaganda, Edson, que produzia anúncios da academia do seu Arnaldo e ele disse que eu participaria de desfiles de roupas esportivas, apresentados durante eventos em casas noturnas do Centro e de clubes também no Centro e em Campo Grande, Santa Cruz. Fiquei deslumbrada. Pensei: “Será que eu dou conta”? Edson disse que eu teria alguém responsável pela minha agenda, um cara que tinha uma micro-empresa que fazia serviços em parceria com outras e inclusive a dele e que eu seria free-lance, pois essa pessoa já me conhecia e que outra empresa que patrocinou propagandas minhas pra academia em parceria com a dele tinha ficha minha. Ele acabou de falar isso e apareceu o Marcos. Fiquei muda, mas tentei me recompor. Como a ganância falou mais alto, não ia voltar atrás. Marcos havia arranjado um meio muito eficiente de me prender mais a ele. Cumprimentou-me sorridente conseguindo até certo ponto disfarçar sua euforia em me ver lá. Explicou mais alguns detalhes e procurei me controlar ao máximo na presença dos outros. Depois, aceitei um convite dele pra ir a um bar lá perto. Na ida pra lá, quase não falei nada, mas quando sentamos e ele pediu bebidas, finalmente olhei fixo pros olhos dele e disse:
- Parabéns.
- Ué?! Parabéns por quê?!
- Por que você conseguiu o que queria.
- Como assim?!
- Marcos, deixa de ser cínico! É impressionante como você tem truques! Nós nos conhecemos há tão pouco tempo, mas parece que você já me conhece bem melhor do que eu a mim mesma! Você sabia que uma coisa assim ia encher os meus olhos, que eu não ia recusar e apareceu quando já tava tudo acertado e com a certeza de que eu não ia voltar atrás! Desde o começo, quando seu Arnaldo me falou que eu ia ser garota propaganda, já tinha dedo seu! Eu quero ficar independente dos meus pais e você abriu o caminho pra isso. Tô achando estranho você ainda não ter cobrado, pois quando a esmola é muito grande, o santo desconfia.
- Tá, eu fiz de caso pensado, confesso.
- Pelo menos isso! Mas o que faz você pensar que eu acredite que vai ficar só nisso? Você vai bancar o empresário pra mim e não vai querer nada em troca além do que já conseguiu no réveillon? Me engana que eu gosto!
- Carla, se você não gostasse de mim, eu ia acabar tirando o meu time de campo. Mas depois do que houve entre a gente eu sei o que represento pra você.
- Você é muito convencido!
- Convencido ou consciente?
- Que?! Como assim?!
- Posso ter forçado a barra no réveillon, mas você também quis.
- Tá, Marcos, eu também quis, mas agora não tô querendo mais.
- Carla, não vamos mais discutir sobre o que é óbvio. A gente se gosta, se deseja. Pra que resistir?
- Pra não sofrer mais do que já sofri. Ou você quer que eu acredite que vai largar sua mulher pra ficar comigo?
Marcos abaixou a cabeça e eu falei:
- Tá vendo? Toquei direto na ferida. Cê quer ter uma vida dupla! Cês homens são todos iguais!
- Eu não nego que estou sendo covarde em não assumir publicamente uma relação com você, mas não negue que me quer.
- Ai, Marcos...como você é insistente!
- Carla, se você soubesse como é difícil o meu casamento e que tenho razões pra não deixar minha mulher.
- Para de se fazer de vítima, Marcos, cê quer me ter como uma válvula de escape. Isso é chantagem emocional. Agora vai me convencer que sua mulher é uma desequilibrada, uma louca, por isso que não larga dela?
- Eu sei que é difícil entender, não vou tentar te convencer de nada, mas só eu sei o que passo.
- O que não justifica o seu erro. Aliás o nosso erro, era só seu até que eu cedesse.
- Tá, até aceito, mas nunca senti por ninguém o que sinto por você.
Eu comecei a chorar. Meu sentimento pelo Marcos cresceu muito desde aquele episódio na entrada do ano e eu não tinha como negar. Eu queria e não queria. Marcos acariciou meu rosto. Depois chegou mais perto e carícias mais intensas prosseguiram noutro lugar onde ficamos a sós.
Entrei numa armadilha da qual não podia nem queria mais sair. O que fazer? Simplesmente o que não fiz: ter recusado a oferta da empresa e assim sair da boca do lobo. Mas fiquei aprisionada pelo desejo de crescer financeiramente, ver fotos minhas em propagandas, ser admirada e me entregar definitivamente ao Marcos. Definitivamente modo de dizer, pois quem aceita condições como as que eu aceitei, sabe que entra num jogo pra perder, pra ficar de reserva, nunca ser a titular, a substituta, nunca a matriz, só uma pequena filial, além de viver na expectativa de um dia poder ser jogada pra escanteio. Fiquei dividida, mas o desejo falou mais alto. E pensar que poucos meses antes eu não queria de jeito nenhum, chorava não querendo ferir meus princípios, procurando obedecer o que aprendi sobre integridade, moral. Tudo descendo abaixo num mar de lama, só por querer ascenção, independência. Que independência? Estava totalmente dependente do que sentia pelo Marcos. Aos meus 18 anos queria me livrar da vigilância dos meus pais da pior maneira. Comecei a driblar os dois. Durante os eventos em Campo Grande ou Santa Cruz, aproveitava os intervalos e tinha meus rápidos encontros íntimos com Marcos. Como os eventos acabavam tarde eu dormia em casas de amigas que participavam e moravam perto. Outras vezes, quando estava no Centro, aos sábados, ia depois pra casa da Alessandra e depois voltava pro Centro pra outros eventos domingo à tarde e ficava com ele outra vez e conforme fosse seu tempo, Marcos ficava comigo em Ipanema e lá mesmo havia um lugar próximo no qual ficávamos a sós. Quando eu ficava na casa da Alessandra, meus pais ficavam muito mais tranqüilos, pois nem imaginavam minhas travessuras, mas também não desconfiavam de nada quando era na casa de outras meninas, pois elas chegavam em casa comigo. Eu tinha um “álibi” perfeito. As horas que eu passava com o Marcos eram como um sonho acordada, Como eu ficava nas nuvens quando estava com ele...ele era tão carinhoso, me chamava de minha menina. Quando a gente se despedia, o sonho virava pesadelo e eu me confrontava com a triste realidade de esperar dias pra tê-lo ao meu lado outra vez. De que adiantava querer ser independente dos meus pais, se eu era inteiramente dependente por outro lado das migalhas que Marcos me oferecia? Lembrei exatamente do que Brenda alertou usando essa expressão. Que preço eu paguei. Eu era jovem demais pra entender, mas, quando um dia li a passagem: “Alegra-te, jovem, na tua mocidade, e recreie-se o teu coração nos dias da tua mocidade, e anda pelos caminhos do teu coração, e pela vista dos teus olhos; sabe, porém, que por todas estas coisas te trará Deus a juízo” (Eclesiastes 11 : 9) entendi o que fiz com a minha vida e também comparei este mesmo período com outra passagem: “Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma” (I Coríntios 6 : 12) e infelizmente eu estava me deixando dominar.
Diálogo, ou quase isso.
Há 13 anos
Quebrando a tradição, quero ser o primeiro a postar para dizer que foi uma luta!!! A internet me sabotou, caindo e atingiu o meu word na hora e ainda bem que já tinha quase toda a revisão do texto salva. Aguardo os comentários de todos os fiéis seguidores do blog.
ResponderExcluirBem, o comentário que eu deixei na enquete da Comunidade, no Orkut, se confirmou. Ao menos em parte, ou seja, a parte da chantagem emocional que o Marcos iria exercer sobre a Carla.
ResponderExcluirQuanto à duração do tempo que esse relacionamento vai durar, pelo que vi neste Capítulo, acredito que vai ser longo.
Porque embora a Carla tenha a consciência exata do tamanho da armadilha em que caiu,o Marcos, por sua vez, é muito esperto e inteligente, além de ser um homem maduro e vivido do alto dos seus 33 anos. Ele sabe perfeitamente bem como manipular uma moça de 18 anos, sem experiência de vida que a ajude a resistir/combater/expulsar o Marcos de sua vida.
Só o tempo e o sofrimento é que darão a ela essa experiência e força.
Graça e Paz!
Nem vou dizer muita coisa e deixar que este e outros comentários se sigam. Como já foi postado anteriormente, há uma conexão da vida real, que é sempre bem mais absurda, incoerente e imprevisível do que um texto e é o que vão perceber acompanhando este texto que ele é baseado em tudo isso, nas surpresas que a vida reserva, em situações que vivemos e nos perguntamos: "Isto está acontecendo mesmo"? Esperem e lerão.
ResponderExcluirUau, ainda bem que eu só voltei aqui depois de passar a seguinte mensagem para os membros da Comunidade:
ResponderExcluirEsse Capítulo está formidável!
A partir daí, a história vai seguir por rumos surpreendentes!
Não deixe de passar lá no Blog, ler o capítulo, e postar as suas impressões.
Vai, corre lá!
o link de acesso ao Blog é:
(retirado)
Te encontro lá nos Comentários!
Graça e Paz!
(rsrsrs)
Graça e Paz!
Coitada da Carla.
ResponderExcluirVinícius, lendo o capítulo eu pensei em nosso papel como pais. A Carla fala da prisão que ela vivia na casa de seus pais, e vejo que talvez por isso ela quis ser tão independente. Os pais dela por outro lado devem ter pensado estar fazendo o melhor pela filha, quando na verdade estavam sendo enganados o tempo todo. É tão difícil a arte de educar. Se é permissivo demais, temos filhos iguais a Alessandra. E se prende demais temos filhos como a Carla.
Ainda bem que temos Jesus para nos auxiliar nessa tarefa.
Paz!
É a realidade é essa e cada tem um nível de entendimento sobre o que é uma boa educação. Os pais da Carla deram estudo, situação razoável de vida dentro dos seus limites financeiros, mas não deram uma orientação, pois Carla foi mais adiante por estudar em bom colégio e ter acesso à pessoas de um nível intelectual melhor. Seus pais não souberam acompanhar a educação fora de casa e deu no que deu.
ResponderExcluirNossa!!! (não tem expressão melhor que essa)
ResponderExcluirNem sei o que comentar... (a não ser o que ja foi dito: ficou muito bom, Vinícius)
É complicado eu falar sobre isso, mas sei la, a Carla podia tentar não ficar perto dele, né?
Mas também para quem esta de foraa é fácil...
P.S.: Cara, tenho muuuuuiita coisa para ler... outro dia eu volto!!!
Ta muito legal!!! ^^
Nossa a Carla continua com o Marcos. Tomara que ela perceba a burrada que está fazendo e sai dessa.
ResponderExcluirpassando pro próximo...
ResponderExcluirQue triste a vida que ela estava querendo viver...
ResponderExcluirGosto do jeito como é escrito, dela narrando o que pensava, o que tinha feito, e como se arrepende...