quarta-feira, 25 de novembro de 2009

CAPÍTULO XXXI

TE VÊEM OS MEUS OLHOS – CARLA
A vida seguia e eu pensava que ela para mim não sorria. Até rimou, mas era assim que eu vivia. Rimou outra vez, né? Hoje eu sei como vejo tudo o que passei, mas era pra passar e já passou. Minha rotina era do trabalho pra casa, de casa pro trabalho. Não aceitei mais fazer propagandas, pois não queria mais fazer parte deste meio que me lembrava o Marcos. Nem me achava mais atraente pra coisas assim. Depois da depressão braba que tive e até fiquei internada, emagreci e cortei os cabelos quase curtos, pois meu rosto tava quase sumindo. O abatimento era visível, pessoas me olhavam na rua. É como se eu dissesse a quem estivesse feliz: “Tire o seu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor”. Minha fuga era o trabalho. Já era professora na academia em horários alternados durante a semana pouco tempo antes de me formar e logo depois que me formei ingressei noutro trabalho num colégio perto de casa, onde dava aulas de educação física três vezes na semana. Não queria aturar por muito tempo a companhia de minha mãe. Ela às vezes até falava um pouco melhor comigo, mas tinha dias que não dava. Quando comecei a emendar um trabalho no outro, começou a implicância. Lembro bem quando eu tava saindo um dia, ela perguntou:
- Chegou e já vai sair?
- Eu não tô no colégio também?
- Ah, é. Vê se não vai arranjar nada lá também.
- Arranjar o que?
- Sei lá, pode ser até outra barriga.
- Mãe, cê não pode ficar sem me apunhalar, né?
- Ouvir a verdade dói, hein? Você já matou seu pai, vê se não me mata de desgosto, também!
Eu ia pra porta, mas voltei e a encarei:
- Você diz que eu matei meu pai, mas saiba que se é assim, nós estamos quites, porque você matou meu filho!
- Filho de adultério!
- Foi, mas não pediu pra vir e não veio porque você matou, no exato momento que me acusou de matar meu pai!
Falei isso e saí batendo a porta.Cheguei a chorar na rua naquele dia. Como me sentia humilhada. Alguém espalhou meu caso com o Marcos. Provável que fosse alguma garota das que davam em cima dele nos eventos que ele produzia, pois havia muita cobiça e inveja naquele meio. A gente se achava tão esperto, mas a mente humana se trái e por mais que a gente pense que esconde bem, acaba deixando rastros como nós deixamos no dia da briga que ocasionou minha gravidez, “porque nada há encoberto que não haja de revelar-se, nem oculto que não haja de saber-se.” (Mateus 10 : 26).
Numa manhã que eu estava com a corda toda e já tinha um horário muito mais flexível de trabalho estava lá eu na academia dando aula de aeróbica. Tava no maior pique, eu me soltava dando aula, ainda era um dos meus pouquíssimos prazeres. De repente, percebo a imagem de alguém refletida no espelho. Quase me desequilibrei, quase esqueci os movimentos do exercício. Tive que pedir um tempo aos alunos. Parei um pouco e fui até ele:
- Marcos...
- Oi. Posso falar com você?
- Claro. Desculpe o meu espanto, mas não esperava você mesmo.
- Claro que não poderia esperar. Mas tô aqui. Só não quero atrapalhar.
- Espera só eu acabar. Eu sigo daqui com você pra um lugar onde a gente converse mais sossegado, se você quiser. Ainda tenho um tempo.
- Tá.
Paramos num bar lá perto e Marcos disse que havia voltado a morar em Paciência poucos dias antes.
- Eu quero e preciso pedir perdão a você. – ele disse com um olhar sincero, puro. Eu estava diante de um novo Marcos.
- Marcos naquele dia eu disse que não tinha o que perdoar.
- Tem sim. Eu fui obsessivo, fui mau caráter, agi como um pedófilo.
- Ei! Que exagero! Eu já tinha 18 anos!
- E eu 33. Lembra que você falou dos seus 15 anos? Não faria tanta diferença.
- Faria. Com 15 seria mais estranho, eu era uma menina, muito purinha, mas com 18 eu já era uma universitária, já trabalhava. Eu comparei a minha pureza dos 15 por que depois adquiri uma malícia que eu não tinha antes.
- Eu colaborei pra isso. Quero seu perdão.
- Tá, Marcos, se você sente assim e precisa ter este perdão eu dou.
- Obrigado.
- Não há de que. Mas por que tanta persistência em receber este perdão?
- Carla, a doença da minha mulher me ensinou muito. Ela faleceu, resistiu bem mais tempo do que era previsto, foi há um ano e meio.
- Eu já imaginava. Lamento, de coração.
- Ela era inconstante, difícil, por isso eu não acreditava naquela história de igreja. Mas os últimos tempos dela foram na presença do SENHOR.
- Eu quero dar uma parte sobre isso. Nem sei cumé esse lance de igreja, presença do SENHOR, como cê tá falando, mas eu senti muita sinceridade no olhar dela uma vez que ela passou por mim junto com seus filhos e me disse: “Jesus te ama”. Eu até pensei que Ele não poderia me amar devido aos meus maus pensamentos, porque eu já tava ficando parada em você, embora durante muito tempo tenha resistido e ficado na minha.
- Por isso que eu tinha que te pedir perdão, entende?
- Se você se sentiu melhor, isso é o que importa.
- Me senti, sim. Oro muito por você, sabe?
- Você acabou indo pra igreja, né, Marcos?
- Sim.
- Pelo seu papo eu percebi.
- Você gostaria de conhecer minha igreja?
- Olha, eu aceito conhecer, mas não tô a fim de ser crente.
- Carla, não é assim, ser crente. Você pode ter um encontro com Jesus. Eu conversei com Arnaldo. Ele gosta de você como uma filha, sabe?
- Ele sempre me tratou com muita consideração.
- Ele foi conivente comigo, ajudou-me a assediar você, mas acho que hoje se arrepende. Ele me preparou pra reencontrar você, disse que continuava sendo uma jovem bonita, mas com marcas de sofrimento. Eu soube que você ficou em depressão.
- Que mais que ele contou a você? – perguntei assustada.
- Mais nada.
- Marcos, alguém espalhou nosso caso e chegou ao ouvido até de familiares meus.
- É como cê disse no dia da nossa despedida Carla. “Nós pecamos e o castigo veio a cavalo.” Você sabe que foi usada pelo Espírito Santo pra dizer isso?
- Acho que a educação que recebi dos meus pais e desprezei por pura pirraça, me deu a noção disso. Por isso falei que pecamos.
- Mas nós pecamos. Só que não conhecíamos a extensão total desta palavra, não pensávamos nas conseqüências do pecado.
- Eu acho que senti os efeitos e ainda sinto. Marcos, eu preciso contar uma coisa antes que você possa saber por outros e agora eu é que peço seu perdão.
- O que?
- Eu perdi um filho seu. A princípio, nem lembrei como fiquei grávida. Depois lembrei que foi em decorrência de uma briga nossa quando a gente tava de porre. A briga começou lá embaixo nos bastidores daquele show no Centro e acabou naquele quarto que a gente ficava, lembra?
Marcos ficou em silêncio, abaixou a cabeça. Depois olhou muito terno pra mim e disse:
- Claro que você tá perdoada, meu bem. Deve ter se sentido muito só. Agora que cê falou, eu visualizei tudo. A gente se achava tão esperto, né? Você bem lembrou na última vez que nos falamos que chegamos a nos comportar como irracionais. Eu cheguei a ser violento contigo.
- Não se preocupe, não foi tanto assim, o homem carinhoso que sempre foi superou aquele momento e isso entrou no “pacote do perdão” que eu dei. Eu queria ter o filho e você poderia me pedir pra abortar, então não falei logo por medo. Depois, você contou sobre sua mulher e eu quis que fosse embora em paz, sem mais nada que o prendesse a mim.
- Eu entendo sua posição. Mas um dia a verdade tem que aparecer. Pra você ver como minha mulher tava preparada pra ir pro SENHOR, ela soube de nós e nos perdoou, disse que se eu a visse novamente que falasse isso a você e que lembrasse que acima de tudo Jesus ama você.
- Pôxa...ela devia estar preparada mesmo.
- Carla, aceita o convite pra ir à minha igreja hoje à noite?
- Tá, eu aceito. Minha amiga Brenda já é crente há quatro anos, já me chamou tanto.
- Tá aqui o folheto.
- Agora eu não tenho desculpa pra não ir, é bem perto.
Naquela noite eu fui. Ouvi a pregação, acompanhei ao lado do Marcos pois eu nem tinha Bíblia. A palavra que foi pregada, eu lembro até hoje, foi em Jó. Ficou marcada na minha mente, tinha tudo a ver comigo: Com o ouvir dos meus ouvidos ouvi, mas agora te vêem os meus olhos. (Jó 42 : 5). Como eu chorei. Nem pensei mais, fui lá na frente e aceitei Jesus aos prantos. Senti um alívio, uma paz depois que chorei uma catarata de lágrimas jorrando de mim, como se os rios de água viva do Senhor estivessem lavando e expulsando todo o mal da minha vida. Fiquei tão feliz, que cheguei em casa e falei com minha mãe.
- Mãe, vem aqui, por favor.
Ela veio até a mim, desconfiada, achou que eu ia dar um acesso, até bater nela, pois tava no impacto da briga ainda recente. Ela veio e eu a abracei forte. Eu disse chorando:
- Mãe, me perdoa do que eu disse, que você também matou meu filho, eu tava com raiva. Eu encontrei o pai do meu filho e aceitei Jesus. Ele tá na igreja, a mulher dele morreu.
- Carla...há quanto tempo você não me abraçava. Me perdoa também minha filha. Você ficou internada tanto tempo e eu ainda achei bem feito. Alessandra brigou tanto comigo, a Lúcia também. Você deve muito a essas amigas. Elas são fiéis. Eu como mãe não consegui ser o que elas foram pra você.
- Não se culpa não, mãe. Você e meu pai aceitaram assinar contrato pra propaganda achando que não tinha nada demais. Escondi muita coisa de vocês, errei, mas tô sinceramente arrependida. Agora tô com Jesus e não abro.

12 comentários:

  1. Sem palavras...
    A única coisa a dizer é:
    Aleluia !!!
    Glória a Deus !!!

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  2. Como disse a Carmem Eliza, glória a Deus!
    Fiquei emocionada com esse capítulo, é maravilhoso ver como Deus trabalha.
    Parabéns Vinicius!

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  3. Lindo! Emocionante, acho q esse é um dos melhores capítulos que li da sua história. Glória a Deus mesmo!!!

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  4. aqui mais lágrimas... Carla errou muito, mas percebe-se a centelha de Deus viva em seu coração...

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  5. Espera um poquinho que eu estou chorando...

    Cara, foi ótimo, serio. to chorando mesmo. adorei.

    retiro o que eu disse do Marcos ser safado, bem, ele era, mas mudou, e é isso que importa.

    A Carla abraçando a mãe dela foi lindo!! (até consegui ver a sena)


    p.s.: esse Márciu, noivo da Brenda é o tal amigo de oração dela? (ou não?)

    Alguém tem um lenço para me empresta?

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  6. aff .. que bom que foi só viagem minha e que o Marcos não mentiu.. e que bom que ele aceitou a Jesus e foi conversar com a Carla pra pedir perdão.. acho que a partir disso muita coisa foi liberada da vida dela também.. muito comovente esse finalzinho dela com a mãe..


    Vou ficar por aqui hj .. amnaha continuo!!

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  7. Ao passo que fui lendo os comentários, contei com que leitores levantassem a hipótese de mentira do Marcos, nas o desenrolar desta parte da história surgiu inspirada na passagem bíblica de Davi e Betsabá, só que alterando um pouco as stiuações dos personagens. Ao invés de a mulher ser casada, neste caso é o homem e quem morre é a esposa, não o marido e a perda de um filho.

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  8. P.S. Completando o texto acima, o arrependimento de Davi expressado com a conversão e pedido de perdão do Marcos à Carla.

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  9. que revira volta hein?
    Até chorei com a converção da Carla e a conversa com a sua mãe.

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  10. Carla já teve sua cota de sofrimento. Qta coisa ela passou, maravilhoso ver a conversão dela, principalmente o perdão entre ela e sua mãe. E o Marcos, olha só, surpreendente. Mto bom.

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  11. Uau! Que reviravolta... O Marcos na igreja e agora a Carla também... e finalmente ela e sua mãe se acertaram...
    Legal!

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