OLHO NO OLHO – CARLA
No fim do mês minha regra não veio. Num intervalo no trabalho comprei o teste de gravidez numa farmácia e deu positivo. Liguei pra Alessandra e falei que as suspeitas estavam confirmadas. Pedi que ela assim que pudesse se comunicasse com a Brenda. Duas semanas depois atendi ao telefone na academia.
- Alô?
- Carla.
- Oi, Marcos.
- Meu amor, me perdoa o sumiço, mas não posso contar por telefone o que aconteceu. Posso te pegar na faculdade hoje?
- Pode.
- Tá, eu tenho muita coisa pra dizer pra você. Tem que ser olho no olho.
- Concordo, Marcos, olho no olho.
- Eu te pego lá e vamos pra aquele bar no Centro, tá?
- Tá.
Liguei pra Alessandra e pedi um apoio a ela. No telefone, ela perguntou:
- Vai contar pra ele?
- Eu nem sei o que vou ouvir. Tudo vai depender do que ele disser.
Esperei o Marcos. Alessandra chegou antes. Quando o Marcos chegou, ela estacionou seu carro e nos esperou por perto. Depois ela me deixaria em casa.
Chegamos ao bar e Marcos estava sério. Em poucos segundos lembrei de vários momentos intensos ao lado dele que eu sentia como um tempo de ilusão terminando na minha vida.
- Pode falar, Marcos.
Ele ficou de cabeça baixa e depois tentou falar dominando a emoção:
- Minha menina...nunca pensei que precisaria dizer isso, mas...
- Você veio se despedir de mim, tô certa?
- É...
- Você quer me contar por quê? Se não quiser, eu vou entender.
Marcos chorava e eu não imaginava por que, mas ele conseguiu dar uma pausa e falou:
- Minha mulher tá com uma doença grave e foi descoberta já um pouco avançada.
Eu fiquei perplexa. Toquei a mão dele.
- Marcos...eu...nem sei o que dizer. Olha, de coração, eu nunca quis o mal dela. Ela me tratava tão bem que eu depois que me envolvi com você não teria nem cara pra olhar pra ela. Mas você tá certo. A mim, não deve nada, só a ela. É seu dever cuidar dela. Da minha parte não há mágoas, tá tudo bem, querido. Foi bom enquanto durou, mas nós pecamos.
- Que é isso, Carla?
- É verdade Marcos. Nós pecamos e o castigo veio à cavalo. Enquanto nos curtíamos numa boa, ela já devia estar doente sem o apoio que precisava. Fomos muito egoístas.
- Eu vou ter que vender minha casa e meus parentes e os dela vão ajudar pra ela fazer tratamento. Não tem cura, mas tem chances de viver mais de um ano.
- Marcos, vai em paz. Não sofre por nós. Sua atenção agora tem que ser pra ela. Eu sou muito nova, tenho uma vida pela frente. Eu supero isso. Você tem mulher e filhos, eles são sua obrigação.
- Eu prejudiquei você.
- Não, não pensa assim. Vou lembrar sempre com carinho de você. Sabe Marcos, eu tenho 18 anos, mas parece que com isso tudo eu ganhei mais 10. Você é um homem maduro, que parece até mais jovem de aparência e no jeito de ser também. Muitas vezes me diverti com seu jeito malandrinho, brincalhão. Vou sentir saudade. Eu lembrei agora de quando fiz 15 anos. Eu nem sabia que você existia, mas naquele tempo você tinha exatamente o dobro da minha idade. Eu era uma menina, hoje sou uma mulher. Minha festa de 15 anos foi inesquecível, como eu era feliz e não sabia! Até sabia, mas não o quanto era feliz. Comparando hoje, eu sei que por você ser muito mais velho do que eu, muitas vezes não teve paciência comigo quando eu ficava irritada, com ciúmes, sei que parecia uma menina mimada. A gente fez muitas loucuras. Agimos como seres irracionais, sem pensar, deixando as emoções explodirem. Mas eu aprendi. Com certeza o que errei lá atrás, vai servir pra que eu não faça igual mais pra frente.
- Eu queria fazer uma despedida diferente.
- Eu também, você sabe, mas é melhor não. É melhor ficarmos por aqui, sem nos tocarmos, pra eu não querer te prender nos braços e não te deixar ir, porque não tenho nenhum direito sobre você. Eu fui a outra. Por mais que você tenha tido a ilusão de que fui sua porque tirou a minha pureza, eu nunca fui, porque você também nunca foi meu. Não somos um do outro, mas você é da sua mulher e deve viver pra ela. O que posso dizer é que nunca vou te esquecer e quero que seja muito feliz. Adeus, Marcos.
Levantei me preparando pra sair
- Carla. – Marcos chamou
- Querido, deixa como tá. Não tô com mágoa, só tô triste, é natural.
- Me perdoa.
- Não tem do que, Marcos. Eu que peço perdão por ter sido tão fraca e ter deixado acontecer. Você poderia ter dado mais atenção à sua esposa, teria descoberto antes a doença dela. Fui eu que prejudiquei sua vida, não você à minha. Deixa eu ir embora, por favor, pra não ser mais difícil. Vou encontrar a Alessandra. Adeus, querido.
Eu fui sem olhar pra trás, correndo tentando segurar o choro. Fui até Alessandra e desatei a chorar nos braços dela.
- Você contou?
Mexi com a cabeça que não.
- Ele se despediu. A mulher dele tá muito doente, o que eu podia fazer? Aceitar...não podia falar da gravidez numa situação dessas. Ele tava arrasado.
- Eu sei que você ainda vai sofrer muito, mas um dia vai esquecer tudo.
- Eu não consigo esquecer dele.
- Eu sei...chora Carla.
- Lessandra...
- Quê?
- Eu acabei de falar com o Marcos que a gente já agiu muito sem pensar, como irracionais. Isso me fez lembrar. Foi assim que eu engravidei. Nós dois távamos de porre. Eu tava numa fase péssima, com TPM, cheia de ciúmes do Marcos, achei que uma garota tava dando em cima dele, num show que ele tava produzindo, ele me levou prum quarto onde nós ficávamos e a briga esquentou mais e aconteceu tudo sem o menor controle. Eu, com ciúme daquele que nunca foi realmente meu. Eu me esquecia de tudo e devo ter esquecido de tomar pílula, por que agora eu lembro que com certeza ele se descuidou naquele momento. Foi por acidente, mas não importa, mesmo assim e ainda mais agora eu quero este filho.
Nos dias que se passaram em casa o meu estado ficou cada vez mais evidente. Enjôos logo que eu acabava de comer, tonteiras e a falta dos absorventes. Numa noite eu tava em casa, não fui à faculdade, pois a tensão que eu passava intensificava os sintomas. Eu não sabia como falar, mas também sabia que um dia iriam me perguntar e foi o que minha mãe fez naquela noite, aproximando-se de mim e segurando forte o meu braço:
- Carla, diga a verdade, você tá grávida.
Fiquei aterrorizada. Ela me olhou com um olhar de ódio, condenação, como nunca havia olhado antes.
- Eu... – perdi a voz, cheguei a ficar rouca de nervoso.
- Diga a verdade, menina, por isso que você vinha chegando tão tarde da faculdade e nos fins de semana nem dormia em casa! – ela me segurou mais forte
Meu pai apareceu na sala e perguntou:
- Que tá havendo aqui?
- Você não vai falar? – minha mãe me pressionou
- Eu...eu tô grávida!
- O QUE?! – meu pai gritou – Quem foi o cafajeste?!
- Calma, Valdemar! – minha mãe recomendou
- Calma uma conversa! Essa menina é uma decepção! Eu confiei, permiti que ela aparecesse em propaganda, achei que era pra ganhar dinheiro decentemente! Ela se suja e ainda suja o nome da nossa família desse jeito?! Se comportando como uma vagabunda qualquer! Eu consegui tudo o que consegui com luta! Eu tenho honra! Na minha família nunca aconteceu isso! Dei estudo pra essa menina pra que?! Pra que ela arranjasse barriga do primeiro que aparecesse?! Você é uma vergonha! Você...
Meu pai ficou no auge da cólera, senti pelo jeito dele que ia até me bater, mas arregalou os olhos e caiu no chão. Eu fiquei paralisada. Minha mãe gritou:
- Você matou seu pai!
Assim que ela disse isso, só lembro de sentir uma dor imensa no meu ventre e o sangue descer. Dei um grito de dor e quando abri os olhos vi Brenda à minha esquerda e Alessandra à minha direita. Eu estava na cama do hospital e minhas amadas de plantão, esperando que eu voltasse a mim.
- Brenda...Alessandra ...eu...
- Calma, Carla, nós tamos aqui com você, sempre vamos estar. – Alessandra disse e acariciou minha cabeça.
- Eu...perdi...né? – chorei perguntando à Brenda
Brenda chorou e fez com a cabeça que sim.
- Não é justo! A única lembrança que eu ia ter dele! – chorei desesperada
- Calma, meu amor. – Alessandra me confortou, segurando as lágrimas, me abraçando.
Eu queria gritar, sair correndo, queria me jogar da janela, ou debaixo de um trem. Minha revolta era tanta que eu queria ter um acesso, bater em alguém, mas não tinha forças. Chorei descontroladamente e Brenda me abraçou forte, também, chorando muito comigo. Depois, lembrei e perguntei:
- E o meu pai?
- Tá no CTI – Brenda respondeu.
- Ele tá em coma ainda – Alessandra disse
- Você tem que se poupar. Seu estado ainda requer cuidados. – Brenda argumentou, também segurando o choro, como Alessandra
- Eu quero morrer!!
Brenda ficou orando baixo segurando minha mão esquerda enquanto Alessandra segurava a direita e senti um consolo, mas continuei em profunda depressão. Foi como se eu tivesse morrido. Meu pai continuou no CTI em coma.
Diálogo, ou quase isso.
Há 13 anos
Impossível não chorar!
ResponderExcluirEu também já perdi um filho, não nas mesmas condições da Carla, eu tinha meu marido ao meu lado, mas a dor é cruel demais. Só quem passou por isso, sabe como é triste.
Vinícius, com essa história você está sabendo realmente tocar no nosso coração.
Boas novas estão por vir, assim espero.
Eu sabia que as pessoas iriam se comover ao ler este capítulo e aguardei por um comentário assim. Só mesmo uma mulher que perde um filho, seja em que situação for e se quer muito tê-lo, sabe o que é a dor desta perda.
ResponderExcluirÉ verdade...impossível não chorar.O capítulo é muito emocionante; eu imaginei cada cena, e é mesmo muito tocante.Tomara que a Carla se recupere logo do trauma, ou melhor, dos traumas, porque além de ter que se despedir do Marcos, perdeu o bebê e ainda teve por cima foi acusada pelo ataque repentino do pai.Triste.
ResponderExcluirMuitas emoções mais nos próximnos capítulos de VIDAS SEPARADAS.
ResponderExcluirP.S. Eu chorei escrevendo.
ResponderExcluirCaramba! É impossível conter as lágrimas. Eu também já perdi 2 bebês; e, o pior é que se tem saudade de filhos que nem tivemos a oportunidade de abraçar, e é isso que dói mais, e mesmo passados tantos anos, nunca se esquece, porque foi interrompida uma oportunidade que não tivemos como agarrar.
ResponderExcluirTambém gostei da consciência da Carla quanto ao relacionamento com o Marcos ter sido um PECADO.
Quanto aos pais dela: a MÃE foi precipitada no modo de agir. Primeiro deveria ter perguntado e ouvido a filha, para depois falar com o marido. Da maneira como se deu: a "falta" de diálogo, a "falta" de compreensão e o "acréscimo" de acusação, a somatória foi o infarte ou AVC? do pai da Carla. Quando os pais criam os filhos da maneira como a Carla foi criada, a falta de comunicação eficaz entre pais e filhos é a tônica mais marcante do relacionamento familiar.
Quando acontece tragédias como essa, o que acaba acontecendo é o sentimento de culpa que corrói as vidas de todos os envolvidos. Não há nada pior e difícil de se livrar do que os
sentimentos de culpa que carregamos pela vida afora; sentimentos esses que nem sempre são provenientes de alguma culpa realmente nossa.
Quanto à duração do tempo do relacionamento da Carla com o Marcos, eu achava que seria mais longo. Mas, fico feliz por ter durado tão pouco, embora as cicatrizes na vida e na alma da Carla serão profundas.
Quanto ao Marcos, pode até ser verdadeira a história que ele contou para a Carla. Mas, convenhamos, é a desculpa clássica para homens adúlteros terminarem o relacionamento com a "outra"...
Espero anciosa pelo 29º Capítulo para saber notícias do estado de saúdo do pai da Carla, será que ele vai sair da UTI e se recuperar? ou...
Graça e Paz!
Eu também tive muita dificuldade de conter as lágrimas escrevendo o texto. Vocês todos como seguidores tem uma ótima análise do texto e eu até cogitei que pudesse haver até da parte de um personagem desconfiança da história do Marcos, mas não vou revelar nada, pois o suspense do texto está mantido, com certza, pois apesar de uma boa análise, realmente nenhum de vocês imagina o rumo que a estória vai tomar e isso é muito estimulante, pois o autor tem que prender a atenção dos leitores até o fim e eu mesmo como expectador ou leitor, não imaginei sempre os fins das estórias que vi, ouvi ou li, mas também me baseei nas incoerências da vida real, do cotidiano. Então ao fim, todos verão que não é tudo como imaginam, ninguém é tão certo ou tão errado, mas procurei deixar no texto permanecer a idéia da consciência dos erros e as consequências destes, pois eu também sofri e sofro consequências dos meus erros. Atingi o objetivo de tocar os leitores e isso me gratifica.
ResponderExcluirP.S.Não pensei em especificar o que ocorreu com o pai da Carla, mas as duas hipóteses são viáveis.
ResponderExcluirmuito triste...
ResponderExcluirEsse foi o mais emocionante, até agora...
ResponderExcluirSenti tudo ao mesmo tempo...
Coitada da esposa do (safado) Marcos. Fiquei triste pela Carla, mas não muito. Não creio que essa criança iria vir em uma boa hora, talvez tenha sido melhor assim (claro, estou pensando friamente). o ruim é o que aconteceu com o pai dela, ela deve estar se sentindo terrível, perder um filho e quase perder um pai.
gente.. é sério!! *longosuspiro* Deixa eu me recuperar aki deste cap .. foi tudo de uma só vez!! oO .. Primeiro a conversa que a Carla teve com o Marcos.. o que foi aquilo? Como ela conseguiu parecer tão firme quando por dentro devia estar arruinada? espero que não, mas sabe o que me ocorreu? que o Marcos tenha mentido.. sei não! é possível? [tá.. descubro isso depois?]
ResponderExcluire outra.. o que foi essa cena com os pais dela? cara! eu imaginava que ia ser barra contar a verdade a eles.. mas não imaginava que ia ser trágico.. Meu Pai!
deixa eu continuar..
Estou admirada com a atitude de Carla em respeita a mulher de Marcos. Parece até a Brenda falando, pra alguém que não conhece a biblia e reconhece que pecou até parece que já conhecia tudo antes.
ResponderExcluir=[ Que triste ela ter perdido o bebe.
Capitulo super emocionante.
PASSANDO PRO PRÓXIMO... soluçando!!
ResponderExcluiruau... realmente as vezes a Carla se supera, o jeito que falou com o Marcos...
ResponderExcluire o pai no CTI e a perca do bebe...ixiii
capítulo profundo